quinta-feira, 19 de novembro de 2020

1998. O fortalecimento da empresa caseira e dos sonhos

 Quando fizemos um ano de empresa, início de 1998, finalzinho de janeiro, eu peguei todas as economias e, mesmo com uma vontade enorme de comprar um carro novo, fechei os olhos e comprei uma outra máquina, pois sabia que poderia fazer doze meses de faturamento, em três de operação e, na sequência, comprar o tão sonhado carro, que prometia para a Tati todos os dias.

Uma parte da nossa história em comum, é que todo sábado à noite, quando eu levava cerca de quatro horas entre idas e vindas até a casa dela, de ônibus e metrô, olhávamos aqueles carros na rua, indo para a balada, restaurantes, lanchonetes, cinemas, mas eu tinha que voltar rápido para a casa e seguir com o trabalho que rolaria até domingo à noite. E ela sempre ao meu lado, em muitos momentos dormindo em pé, mas firme no salto para não me desanimar.

Passados quatro meses que a segunda máquina chegou, eu disse a ela: “Consegui separar uma verba e estou indo comprar um Gol 1982, motor de geladeira, para pelo menos diminuirmos o tempo das nossas idas e vindas até a sua casa”. Ela sorriu pelo telefone e aguardou ansiosa a minha chegada à noite, com o carro novo, que para ela, simples como sempre foi, estava de bom tamanho naquele momento. O que ela não sabia é que eu tinha acabado de encomendar um Ômega “zero km” na concessionária.

Para não dizer que deu tudo certo, quando peguei o carro e estava subindo a Avenida Rebouças, em São Paulo, uma senhora acertou a minha traseira em cheio, no farol de pedestres. Externamente não mexeu com as estruturas, só depois de dias quando levei à concessionária, e acionei o seguro, que vi o estrago que fez.

Voltando à “festa do carro novo”, liguei para ela, do meu celular Motorola Startac, e disse que estava dentro do Gol 1982 com motor de geladeira, indo buscá-la para irmos ao cinema, depois de dezoito meses de muito trabalho. Quando cheguei e da varanda ela viu o carro, deu para perceber o suspiro de alívio e vitória, estampado no seu rostinho angelical. Com aquela satisfação de dever cumprido, principalmente com a sua família, que talvez, em algum momento, não acreditasse quando ela comentava sobre os processos diários que passávamos. Eu sei como deve ter sido duro, mas aquele momento era de festa, muita festa. Como nós não temos o hábito de bebidas alcoólicas, enchemos a cara de suco e Coca-Cola a noite inteira. Foi um momento único e ali eu tive a certeza de que ficaria com ela para sempre!

Passados esses momentos de pura emoção, voltei ao trabalho muito mais fortalecido, e alguns meses depois, mudei a empresa de casa para um sobrado perto dali, onde iniciei um ritmo acelerado de produção e contratação de pessoas, junto com a aquisição de outras máquinas, até o momento de chegarmos a ter vinte e cinco funcionários na empresa e cem por cento da capacidade de produção.

Não tinha para onde crescer mais e a economia, com o Plano Real, estava aceleradíssima. A nossa clientela aumentava a cada dia e a pressão era geral, entre os colaboradores e clientes, por ampliação do parque gráfico. Tive que tomar uma decisão rápida e que selaria o meu futuro.


1999-2000. Crescei e multiplicai-vos

 Foi em julho de 1999 que resolvi mudar e triplicar o tamanho da empresa. Naquele momento eu estava assinando a minha primeira falência real, cheio de dívidas, processos e outras coisas mais que acontecem com quem “quebra a cara”, o que não consegui perceber a tempo.

Alguns meses antes, em maio de 1999, tive contato com um consultor, que me indicou um parque gráfico que estava à venda na cidade de Santo André, divisa com São Paulo. Fui até lá, chequei toda a documentação, fiz vistoria no prédio, nas máquinas e dei a minha oferta para o vendedor. Ela foi aceita e no mês de julho estávamos em um espaço três vezes maior e com capacidade de triplicar a produção.

Um ano depois, a coisa estava rodando a “mil por hora”, muitos clientes, pedidos, faturamento alto e custos maiores ainda, estes que até então eu não tinha experiência para analisar de perto e me precaver para qualquer mudança de cenário. Naquele mesmo ano de 2000, marquei meu casamento com a Tati para o ano seguinte: 6 de outubro de 2001 às 20h, no clube Hasbaya, na Bela Vista, São Paulo, capital. Já estávamos há quase seis anos juntos e praticamente casados, em relação ao que queríamos para o nosso futuro. Fui até o local, fechei negócio, contratei uma especialista para planejar todo o processo, pois não tinha tempo nenhum, muito menos a Tati, que trabalhava em uma empresa de cartões de crédito, praticamente doze horas por dia, na Avenida Paulista. Para nossa alegria, tudo estava correndo bem e conforme o planejado.


2001. As quedas e o aprendizado

 O ano de 2000 passou sem problema nenhum, mas ao entrarmos em 2001 a atmosfera começou a ficar estranha na empresa. Faturamento em queda, clientes assustados com o rumo da economia e outros detalhes a mais, novamente na política, como a possível eleição de um presidente de esquerda populista. Eu fiquei um pouco assustado, preocupado e sem saber o que fazer, porque até ali a minha vida de empresário não tinha sofrido nenhum arranhão maior do que eu poderia suportar, financeira e emocionalmente.

Em maio daquele ano eu resolvi então fazer uma auditoria através de uma empresa terceirizada, pois faturava perto de cinco milhões por ano e tinha uma folha de pagamento de quase sessenta colaboradores, entre terceirizados e contratados. Os custos realmente eram altos, bem como a certeza de dobrar o faturamento no ano seguinte, e ele cobriria todos os investimentos em pessoal, financiamentos de máquinas novas e capital de giro, captados naquele ano.

Foi quando a dois meses do meu casamento, em seis de agosto, o consultor me disse no relatório final que eu estava com um rombo nas contas, perto de três milhões de reais, nos dias de hoje. Eu tinha vinte e nove anos, não havia passado nem de perto por uma notícia tão grande para mim, naquela época, e o que me vinha em mente a todo momento é se conseguiria dar a volta por cima. Naquele mesmo mês, o Datafolha apresentou uma pesquisa de intenção de votos na qual a esquerda levaria a presidência, o governo brasileiro, na época anunciou a pior crise energética que já tivemos e o leste asiático, juntamente com a Argentina, entrava em colapso econômico. E para carimbar de vez a sequência de desgraças daquele ano, derrubaram as duas torres gêmeas.

Junte tudo isso, coloque na mesa e pergunte ao melhor economista do planeta se ele consegue te ajudar a reverter a situação. Conclusão: para me recuperar teria que trabalhar vinte e quatro horas por dia e dobrar o meu faturamento em oito meses. Sempre acreditei que conseguiria, até receber a notícia que as indústrias teriam que poupar energia e reduzir a sua jornada de trabalho. Essa foi a última notícia antes de eu tomar a decisão de encerrar as operações, vender tudo que podia para abater a dívida e conseguir casar-me em paz, dois meses depois, e só então repensar se conseguiria retomar. No mês seguinte, meu faturamento caiu sessenta e cinco por cento, e a dez dias do meu casamento eu não

tinha dinheiro para colocar gasolina no carro, e ir até o local do casório. A parte mais difícil para mim foi contar para a Tati que perderíamos a nossa casa, que estava sendo paga em parcelas, bem como os carros, as máquinas e tudo aquilo que construímos desde 1996.

A festa de casamento aconteceu porque foi paga um ano antes, com uma verba que estava sobrando em uma de nossas contas. Lembro-me até hoje quando a Tati entrou no local da cerimônia e me olhou diretamente da porta. As nossas reações foram instantâneas, começamos a chorar em uma mistura de sentimentos, alternando entre a felicidade de estar casando e a tristeza em já saber como faríamos para administrar tudo aquilo no dia seguinte.

Na segunda-feira, fui até a empresa, consegui levantar os bens e planejar o que faríamos com a venda deles. Nos meses seguintes, pagamos todos os funcionários e seus direitos, alguns fornecedores e zeramos os bancos. No balanço geral vendi tudo, perdemos a casa, os carros, ficamos apenas com um Fiat Fiorino financiado, com uma prestação baixa que conseguiríamos pagar, apesar de uma dívida restante de um milhão de reais.

Além disso, dois dias antes do casamento, contei para uma amiga nossa que iria me casar no sábado e não teria lugar para ir após a cerimônia, pois a financeira tinha tomado a nossa casa. Ela me indicou um lugar na extrema periferia de São Paulo, onde tinha um quarto, cozinha, banheiro e uma lavanderia pequena, em um quintal com mais três casas e a nossa seria a última do quintal. Fiquei feliz em saber que teria aonde chegar após a cerimônia e isso para mim, naquele momento, era suficiente.

Lembro que disse à Tati, assim que o casamento terminou, que isso que estava acontecendo conosco seria a nossa universidade, tanto espiritual quanto profissional: “Sairemos pessoas melhores quando esse furacão passar. E eu prometo a você, construiremos tudo de novo, duas vezes melhor do que construímos até hoje, independentemente do tempo que iremos levar”. Ela olhou para mim e não precisou falar nada, a sua vida estava ligada à minha em todos os sentidos. Fomos para a casa naquela manhã de domingo, deitamo-nos e dormimos até o dia seguinte.

Na segunda-feira, ela foi trabalhar e eu avaliar como faria para pagar o restante da dívida, pois este valor de um milhão de reais restantes estava dividido em pagamentos futuros, em cheques para diversas empresas.

Passarem-se alguns dias e os cheques começaram a voltar por falta de fundos, na porta do cortiço onde morávamos não paravam de chegar pessoas tocando a campainha. Eram oficiais de justiça, empresas de cobrança, agiotas que receberam os cheques de fornecedores e outros mais.

Na época emitimos cheques da empresa e das pessoas físicas, tanto os meus quanto os da Tati, que era a minha sócia na empresa. E alguns dos cobradores batiam na casa dos pais dela para fazerem pressão psicológica. Não foi fácil, pois a sua família, por mais que tenha passado dificuldades para conseguir algo na vida, nunca chegou perto de dever para ninguém. Era um outro problema que eu tive que resolver, que na verdade não foi resolvido, porque ninguém entendia o que aconteceu, e até hoje me olham com um olhar diferente. Lembro-me que meu pai perguntou se a dívida era alta e eu disse que era perto de oitenta mil reais, para deixá-lo tranquilo. Ele virou para mim e disse: “Meu Deus, como você vai fazer para pagar tudo isso, vai levar a vida toda”. Poxa, a vida toda? Pensei. Estava ali uma prova do que nem passava pela cabeça dele: o tamanho do meu negócio e a posição que a empresa estava colocada no mercado em que atuávamos. Realmente estava sendo uma universidade, porque na prática é diferente dos livros, esses de autoajuda que estão a rodo, espalhados nas livrarias.

Com toda a paciência do mundo, eu atendia um a um os que tocavam a campainha de casa. Alguns entravam para tomar café comigo e ouvir um pouco sobre a história. Com o tempo, a coisa foi sendo controlada, pois muitas empresas tinham falido e os cobradores estavam atrás dos que tinham mais dinheiro. E, fala sério, ir até a periferia de São Paulo, tocar a campainha em um cortiço, para cobrar quem já estava morto financeiramente era perda de tempo.

Duas semanas depois de casado e mudado para o “meu cortiço, minha vida”, resolvi pegar a Fiorino e visitar os clientes para contar o que aconteceu comigo e que eu estava ali, caso eles precisassem de alguma ajuda, sei lá, carregar um caminhão, talvez, por uns trocados. Para a minha surpresa, uma boa parte se sensibilizou com o acontecido, se reconheceram por terem passado outras crises, pois eram empresas de anos de mercado e me fizeram algumas propostas: algumas de emprego e outras como consultor gráfico. Tiveram casos de empresas me falarem que não queriam saber se eu não tinha mais a gráfica, mas que queriam continuar comprando de mim e que eu desse um jeito de atender. Foi muito bom viver esses momentos.

Finalizando essas visitas, após algumas semanas, fui atrás de uns três ou quatro amigos do ramo para pedir se eu poderia enviar alguns clientes em troca de comissão, e é claro que todos aceitaram. Mas, mesmo assim, como eu devia muito passei a terceirizar todo o trabalho porque os ganhos eram maiores.

Um belo dia estava em casa e pensei: poxa, vender impressos para essas empresas a um preço mais caro, só porque eles gostam do meu atendimento? Preciso oferecer algo a mais para compensar essa perda. Naquele momento, a minha ideia era pagar as dívidas e voltar a produzir como indústria, então não poderia perder esses contatos para a concorrência. Lembrei de um amigo que era publicitário e criava peças para empresas pequenas. Eu lhe disse: “Vou vender os impressos para as empresas e oferecer gratuitamente a criação de peças extras por minha conta. Você faz, eu te pago por fora e todos ganham”. Ele aceitou e comecei a oferecer na semana seguinte.

Como a dívida era grande para os meus padrões de morador de cortiço, eu precisava driblar algumas etapas e emplacar em coisas maiores, em que o meu poder de informação tivesse valor. Eu comecei a comprar livros de autoajuda, marketing, administração, publicidade, network e de pessoas bem-sucedidas, que passaram as mesmas dificuldades que as minhas. Lia cerca de três a quatro livros por mês, no primeiro ano. Além disso, passando o final do ano, a minha capacidade de ganho estava colocando em ordem alguns parcelamentos que fiz com os fornecedores mais próximos, mesmo assim não era suficiente.








2002. De batalhador das vendas a consultor de marketing bem-sucedido no mercado.

 Me lembro como se fosse hoje: janeiro de 2002. Fui visitar um desses clientes gigantes que me abraçou e, como ele era o diretor da empresa, me perguntou como eu estava fazendo para pagar as dívidas e retornar ao mercado. Eu lhe disse que estava estudando como um louco e aplicando algumas coisas, que aprendi com os livros, em minhas rodadas de negócio, as quais fazia durante a semana.

Ele, diretamente me disse: “Tenho um parente que possui uma pequena fábrica, ele está devendo perto de seiscentos mil reais, você não poderia dar uma passada por lá e conversar com ele um pouco sobre as suas técnicas?”. Claro que sim, acenei a cabeça, com um sorriso no rosto. Como era um cliente que eu admirava não podia negar, mesmo porque pensei comigo, será apenas um bate-papo e um abraço no final.

Chegando lá na empresa, ele me mostrou a sua estrutura, os funcionários, o que ele produzia e nos sentamos em uma pequena sala, no fundo do galpão da fábrica. Ali ele me apresentou seu problema, suas dívidas e me perguntou se eu conseguiria resolver para ele, porque seu primo lhe disse que enviaria um consultor de marketing para dar uma ajuda. Eu fiquei travado na frente dele quando ouvi que seria o consultor de marketing.

Eu não sei a “piniqueira” que me deu, quando resolvi chamar para mim o problema dele. Não me pergunte o porquê, mas já tinha me colocado à disposição. Disse a ele que não conseguiria administrar a parte financeira, mas nas vendas poderia ajudar diretamente, criando estratégias para faturar mais e diminuir a dívida. Na verdade, fiz isso toda a minha vida até aquele momento, só não tinha percebido que fazia parte do “marketing”.

De fato, fui direto ao assunto e disse: “Preciso que você me apresente a sua empresa como se eu fosse comprá-la. Me conte tudo, como é a fábrica, como compra, como vende, todos os processos nos mínimos detalhes”. Ele não perdeu tempo e, já com a agenda na mão, marcou uma nova reunião para a segunda-feira seguinte.

A pergunta mais importante não foi feita: quanto vou receber por este trabalho? Chegando em casa, me debrucei nos livros e na internet para estudar o seu ramo de atividade. Vasculhei tudo o que consegui encontrar e montei uma apresentação para que, naquele dia da reunião,

ele me apontasse onde estavam os erros e os acertos do seu mercado em específico.

No caminho até a empresa fui pensando em como dar valor naquele trabalho, pois o mercado de marketing cobrava de diversas formas e sempre antecipado, ou a cada entrega de etapa. Naquele momento resolvi inovar, mesmo porque nunca passei nem na porta de uma escola de marketing. Pensei comigo, vou cobrar dez por cento do valor da dívida, e ele só me pagaria assim que a zerássemos e conseguíssemos caixa para fazer este pagamento.

Chegando lá, passei todo o planejamento e, no final, a proposta de pagamento. Ele, surpreso e com aquela carinha rosa e redonda de espanto, me disse: “Poxa vida, você acredita mais do que eu na minha empresa”, e começou a chorar. Comigo é assim, se o cliente chora também choro, e muito, pois estou chorando pelas dívidas dele e pelas minhas.

Iniciamos o trabalho no dia seguinte e a coisa foi fluindo até que o problema foi resolvido e a minha consultoria finalizada. Recebi posteriormente a minha parte e fui no mesmo dia a um credor com o cheque da empresa, ainda nominal a mim, passar para ele e pegar meu recibo de quitação. Chegando lá, o credor me olhou e disse: “Não acredito que você está pagando, eu deixei a sua dívida na caixa de ‘Nunca mais vou receber’”. Eu disse: “Pois bem, se equivocou em me subestimar”. Ele tirou o valor total da pasta, que já estava cheia de pó, não corrigiu os juros e ainda me deu cinquenta por cento de desconto pela idoneidade. Muito legal, hoje em dia, faço o mesmo em meus negócios.

Depois de alguns dias, aquele cliente me indicou para outro com uma dívida maior, pois para mim, naquele momento, quanto maior a dívida melhor o ganho. E daquele cliente fui indicado a outro e assim foi acontecendo, até eu chegar na primeira multinacional e sentar cara a cara com o diretor de marketing, para resolver um problema básico: os funcionários estavam atravessando fora da faixa de pedestre e sendo atropelados. Me perguntou se eu tinha alguma solução. Lá fui eu buscar naqueles livros de endomarketing, que ficavam empilhados na pequena sala do cortiço, para ver se tirava alguma ideia de como passar a informação. Fiz o trabalho, deu resultado e algum tempo depois ele me mandou outro, em que os funcionários estavam comendo e fumando nas áreas entre as escadas dos prédios. Esse foi difícil, mas resolvemos oitenta e cinco por cento do problema. O legal desses trabalhos é que o problema é tão grande que o valor da consultoria vem na mesma escala.

2005. O ano da redenção e da fundação da minha agência de marketing

 Com o tempo, fui pegando um trabalho aqui, outro ali, o meu mês passou a ser tomado por consultorias em diversas áreas e segmentos, forçando-me a abrir a minha primeira empresa de marketing, em 2005, a “Cappuccino Marketing e Marca”. Quando resolvi entrar de cabeça nesta área, só queria me cercar de pessoas competentes e que fossem formadas no setor. O restante era fácil e eu já estava me acostumando.

Em decorrência disso, pedi para a Tati se demitir da empresa que ela trabalhava e assim me ajudar nesta nova empreitada. A minha intenção era formá-la como profissional de gestão de pessoas, empresas e redes, que é hoje em dia. Conheço algumas boas gestoras de redes, mas com a competência dela estou para ver. Ela aceitou o desafio e criamos juntos uma agência com foco em marketing e marca. Por que marca? Pelo simples fato de acreditarmos que uma marca bem desenhada e posicionada é a melhor parceira de resultados daquela empresa.

Outro fator digno de menção é o fato de que, desde o ano passado (2004), a dívida estava praticamente quitada, faltavam poucas empresas e a maioria já estava com acordos parcelados. No entanto, um episódio marcante em minha vida se apresentou: em visita a um gigante do ramo de móveis e decoração, conheci os proprietários e ambos me perguntaram o que eu achava da marca da empresa e seu posicionamento. Com toda a técnica dos livros dei meu ponto de vista e ambos me perguntaram se eu conseguiria revitalizar e colocar ali, naquelas palavras toda a cultura da empresa. Aceitei o desafio e fui em frente. Juntei meu pessoal e, semanas após o desafio, marquei a apresentação da nova marca da empresa.

Era uma sexta-feira à noite, dia quente, em um dos escritórios do bairro nobre dos Jardins em São Paulo. Fiz a apresentação, a marca foi aprovada, mas o melhor da festa estava por vir: o pagamento pelo trabalho, pois não tínhamos combinado nenhum valor. Quando me levantei da mesa, o proprietário da empresa se levantou junto comigo e me disse: “Estou com o cheque pronto, sei que não tem valor pelo retorno que ela vai me dar daqui para a frente, mas tenho certeza que vai te ajudar a dar um grande passo financeiramente em sua carreira, nesta nova empresa”. Colocou o cheque no bolso da minha camisa e saiu da sala. Discretamente me despedi e fui para o carro. Não tive coragem de ver o valor ali na porta da empresa, andei alguns metros e a surpresa

foi enorme, um valor tão alto que consegui quitar a minha dívida e ainda montar um lindo escritório no bairro da Mooca, para aumentarmos a capacidade de atendimento da agência.

Naquele dia um sinal foi dado: revitalizar marcas ou criar no perfil de cada empresa iniciante seria o caminho. Reestruturei a empresa, ampliamos nossa dedicação a fazer marcas e a coisa começou a esquentar novamente. Sem dívidas, já morando em uma casa bacana, em um bairro próximo a Mooca, iniciamos o nosso caminho com foco em chegar onde estamos hoje.

Ainda em 2005 escrevi meu primeiro livro, “Como alavancar as vendas em tempos difíceis”, lógico que com a experiência de um menino de trinta e três anos. Distribuímos perto de quinze mil cópias, entre vendidas, doadas a bibliotecas populares e passadas aos amigos, clientes e parentes.




2006. Crescei e multiplicai-vos parte II, agora é pra valer

 Na passagem do ano tudo indicava que 2006 seria um excelente ano e a retomada como ex-empresário falido era fato. Em janeiro de 2006, recebemos um contato, na agência, de um profissional muito conceituado na área odontológica, dizendo que leu o meu livro e estava interessado em comprar nossos produtos.

Marcamos uma reunião na empresa, apresentamos nosso trabalho e fechamos negócio logo em seguida. Estava nascendo ali a maior rede de consultórios odontológicos que já se viu no Brasil. Nossa primeira experiência como rede, relacionamento com licenciados e muito trabalho a seguir.

Em um primeiro momento, o dentista, meu amigo até hoje, queria apenas uma revitalização da clínica e que mostrássemos um caminho para que ele conseguisse, através de estratégias de marketing, aumentar sua clientela, treinar seu pré-atendimento por meio das secretárias e um novo visual de marca e modelo de negócio.

Pois bem, sentamo-nos e conversamos por horas a respeito do seu setor, que até aquele momento era desconhecido para mim e para meu pessoal da agência. Ele nos disse que era um setor carente de profissionais de marketing especialistas na área e que o profissional dentista não aprende, em seus estudos iniciais, como fazer para administrar, planejar e divulgar sua carreira, clínica ou consultório, de uma forma saudável, conforme vemos na área do marketing.

Em um primeiro estágio, buscamos o seu perfil, o da sua clientela atual e a desejada, bem como o modelo de negócio que atuava e o que fazia para divulgar sua clínica e gerar novos clientes/pacientes. Com toda a informação na mão, e após alguns dias, apresentamos-lhe a marca e o modelo de gestão atualizado de uma clínica odontológica.

O processo foi aprovado no mesmo momento, e então demos continuidade aos trabalhos, introduzindo o processo na prática, em sua clínica. Implantamos a marca, reorganizamos os processos, treinamos as pessoas, demos uma cor a mais no conceito e inauguramos, seis meses depois de todos os estudos e detalhamento do projeto. Modéstia à parte, foi um sucesso, embora tenha começado a causar um pequeno problema: a falta de horário de atendimento para os novos pacientes e o retorno inesperado dos já atuais e esquecidos pacientes.

Com o tempo, conseguimos reorganizar inserindo mais profissionais na clínica e ajustando os horários, de acordo com a capacidade de atendimento geral. Dias após a inauguração, fomos procurados por alguns outros dentistas, que tinham tomado ciência do nosso trabalho e que gostariam de contratar a agência para executarmos o mesmo processo.

Duas semanas após as procuras desses dentistas pelo trabalho, recebemos mais um grupo pedindo também para que fizéssemos o mesmo processo. Quando percebi que a procura estava aumentando consideravelmente, me veio uma ideia comum para quem já está acostumado a criar redes, mas para mim era insólita, pois até então eu não sabia por onde começar uma.

A ideia surgiu quando resolvi bater um papo com o dentista que nos contratou e informar que estávamos evoluindo na procura; assim, pensei em juntar o útil ao agradável, unindo todos esses profissionais embaixo de uma marca só, a UNICODONTO! A primeira pergunta que me fizeram foi: “Mas como faremos para organizar pessoas diferentes, com ideias diferentes, em lugares diferentes e convencê-las a se juntarem em uma marca que não será delas?” Eu acreditei que naquele momento não deveria temer a nada, pois para quem já passou por tantos problemas e teve que buscar muitas soluções, aquele seria apenas mais um passo no meu caminho.

Juntei os dentistas em nossa agência, ainda no bairro da Mooca, e apresentei o projeto, que tinha colocado em prática para aquele primeiro dentista. Mostrei o modelo de gestão financeira, de pessoal, treinamento, operação e o que chamei de “licenciamento de marca”, naquele momento. Assim, todos estariam usando a marca, com o intuito de utilizá-la para ganharmos vantagem em grupo, em toda a cadeia fornecedora para o setor. Mostrei também o planejamento de marketing compartilhado, no qual teríamos mídias regionais pagas por um único caixa, em que cobraríamos uma espécie de royalties, e nós da agência ficaríamos com trinta por cento da arrecadação bruta, o dentista proprietário da marca Unicodonto com 10% pelo licenciamento, e o restante seria reinvestido em marketing e publicidade.

Apresentei um projeto de ganhos em escala, em que em algum momento, conforme a rede fosse crescendo, compraríamos a nossa própria

distribuidora interna, e talvez até uma sociedade direta compartilhada através de uma associação, incluindo alguns pedaços do setor de insumos. O projeto foi aceito, naquele momento, por cerca de doze dentistas, cem por cento dos que estavam a fim de entrar no projeto, afinal, “uma rede se faz com muitas cabeças organizadas”.

Na semana seguinte, preparamos toda a documentação legal, projetos de como funcionaria o processo a cada passo do crescimento, em número de unidades. Criamos um pequeno conselho para discutir assuntos internos, uma pequena equipe, dentro da agência, especializada no setor e suas vertentes, como os distribuidores, por exemplo.

No dia 15 de julho de 2006, inauguramos dez unidades espalhadas pela capital de São Paulo e começamos a colocar em prática toda a teoria desenhada para a rede, mais a experiência adquirida na clínica do primeiro dentista. Três meses depois estávamos com quase vinte licenciados, e foi naquele momento que começou um problema de “superego”, muito comum no setor na saúde, principalmente na odontologia.

Consegui administrar em etapas por mais três meses, até o momento em que o dentista, aquele que iniciou conosco, pediu para sair, pois não estava conseguindo conciliar o seu trabalho com o de administração da rede. Sendo que noventa e cinco por cento de todo o trabalho era concentrado dentro da agência. Naquele momento, passou um filme em minha cabeça, com uma única certeza: mais um projeto para o meu quadro de falências.

Era uma quarta-feira, do mês de outubro, na qual tomamos a decisão sobre a saída desse dentista do negócio, passando cem por cento da empresa para mim e para a Tati, que estava em seu início de carreira como empresária. Sem comentar sobre o volume gigante de dinheiro que tivemos que pagar pela compra da parte dele. Pois naquele momento não tive escolha: ou comprava, ou a empresa se encerraria.


2007-2008. Anos em que vivenciei que a expansão de um negócio exige coragem e enfrentamento de desafios

 Demos um tempo até a poeira baixar e em dois de janeiro de 2007, me reuni como todos os licenciados, na época apenas quinze, pois com a saída do dentista, cinco foram juntos por serem mais próximos, ou talvez por medo de continuar em um negócio que parecia que cresceria a passos largos. E foi exatamente o que aconteceu.

Após a reunião com aquele grupo, alteramos algumas regras e reformatamos o negócio, trazendo os mesmos trinta por cento para a agência, dez por cento de reserva para investimentos em negócios no mesmo ramo de atividade, e sessenta por cento para investimentos em marketing, inclusive o de publicidade, para agregarmos novos dentistas ao processo. Todos sabiam que quanto mais pessoas usassem a marca, mais forte ela seria e maiores conquistas em grupo conseguiríamos.

Em janeiro de 2008, já tínhamos perto de cento e vinte licenciados. Tudo caminhava bem, as clínicas faturando alto, nenhum problema na operação, o caixa positivo, a marca em muitos canais de rádio e TV espalhados pelo Brasil e unidades em todas as capitais. Até que demos de frente com a nossa primeira imitação: um novo modelo de clínica, super potencializada, com operação nos melhores bairros da capital de São Paulo e expandindo a passos largos. Comerciais de TV de quase uma hora, megaprodução com artistas renomados, estampando a marca em seu dia a dia.

Conclusão: os dentistas da nossa rede passaram a amar o novo formato do concorrente e me obrigaram a pensar como fazer, para ser visualmente daquele tamanho. Fizemos uma reunião com o conselho e ali eu perdi a amizade com pelo menos seis dos dez que faziam parte, por achar que era uma loucura e que seria um tiro no vazio, pois não sabíamos quem estava por trás daquele novo negócio e até onde ele chegaria em números de unidades; e ainda salientei que não ficassem preocupados, uma vez que nossas clínicas tinham até três cadeiras, nosso público era qualificado e o atendimento extremamente personalizado. Como todos sabiam, eu era muito apegado ao código de ética do CRO e não deixava passar nada que o ferisse, isso porque estava vendo, naquela nova empresa, um rompimento gigante na forma como se projetavam no mercado e como ofereciam um processo odontológico, baseado na confiança e indicação. Clínicas maravilhosas do ponto de vista da estrutura física, muitas cadeiras de atendimento, dentistas

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renomados encabeçando a lista da diretoria e um conselho formado por professores da USP (Universidade de São Paulo), e outros detalhes que realmente chamavam a atenção.

Terminada a reunião eu me comprometi a pensar no assunto e dar uma resposta em até duas semanas, para todos eles e para a rede em geral, que estava completamente transtornada e fora de si, com a entrada de uma outra rede no mercado. E não adiantava em nada conversar, mandar e-mail, ligar, visitar, agendar reunião, pois estavam cegos e completamente apaixonados pelo novo modelo apresentado pelo concorrente, que do meu ponto de vista, não passava de mais uma rede de atendimento. Mas o velho e bom ego do dentista falou mais alto e começaram a comparar nosso projeto, o qual crescera a passos largos e estruturados, com um sonho que ainda não tinha se tornado realidade.

Após as duas semanas de prazo, nós tínhamos comercializado mais vinte unidades, somando naquele dia cento e quarenta consultórios e com projeção em escala de passar para quinhentos, para nos tornarmos a maior rede de consultórios odontológicos do planeta. Eu precisava apenas de um profissional da odontologia que enxergasse junto comigo e convencesse o restante, através de fatos, que não poderíamos entrar na briga com a gigante do setor.

Naquela fatídica segunda-feira fria em São Paulo, capital, estávamos já em nosso novo endereço, na Avenida Paulista, que é o coração financeiro do Brasil, e sim, a vida melhorou e aumentamos nossa estrutura para conseguirmos atender a demanda. Mas com toda a minha experiência em já ter feito o mesmo e “quebrado a cara”, o meu custo era praticamente quinze por cento da minha receita, e o nosso caixa estava provisionado para dois anos de uma possível crise, ou seja, até então havia uma segurança total, pelo menos foi o que pensei até aquele dia.

A reunião teve início por volta das dez horas e até às 12h apresentei um novo modelo de negócio, baseado no que a concorrência estava fazendo e alinhado ao desejo de oitenta e cinco por cento da rede. Mas, para a minha surpresa, um dos conselheiros me disse que estava rolando um assunto na rede, no qual os dentistas encerrariam suas atividades em suas clínicas, com a nossa bandeira, para entrarem de sócios investidores no concorrente. Eu quase tive um “treco” e caí duro, mas me mantive

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estático e continuei ouvindo todos eles, já imaginando o que poderia fazer para reverter o quadro. Foi dito também, por um segundo conselheiro, que parte deles, praticamente todos (isso eu fiquei sabendo só depois), também levariam a sua mão de obra para trabalharem para o concorrente, e que eu precisava definir como ficaria a divisão de toda a verba que eles já tinham pago à empresa. Fiquei mais perplexo ainda em ouvir algo tão amador, mas mesmo assim continuei ouvindo.

Pensei comigo, eles estão decididos e afetarão toda a rede, pois já estão formando grupos dentro do grupo e eu vou perder oitenta por cento do negócio e todo o investimento que fiz nele até agora, sem contar com possíveis processos. Passaram-se alguns meses, a rede foi cortada pela metade já nas primeiras semanas, e aquilo me incomodava de um jeito que não conseguia pensar em uma solução e muito menos dormir bem, para conseguir levantar afiado no outro dia.

No finalzinho de 2008, eu já estava completamente alucinado com o que tinha acontecido e não conseguia achar explicações para todo aquele transtorno causado a uma empresa saudável e enxuta, como a que criamos, por pessoas desqualificadas e com o ego maior do que poderiam suportar. Eles alimentavam a certeza de que um projeto, como o desse concorrente, com foco apenas na imagem e na grandiosidade de suas estruturas, pudesse suportar financeiramente o seu dia a dia, endividando-se com canais de comunicação em massa, em troca do giro financeiro que faziam com as financeiras, as quais atuavam dentro da própria clínica. Não era possível que ninguém estivesse vendo que a bolha viria a estourar. E foi isso que aconteceu: não sobrou nada, nem ninguém para contar a história.

Sabe aqueles dentistas que desertaram e passaram a ser diretores de luxo do concorrente?, que no meu ponto de vista, não passavam de laranjas. Sim, eles estão enrolados com a justiça até hoje, pois terão que prestar conta de onde foi parar todo o dinheiro arrecadado e dos pacientes deixados “às moscas”, sem tratamento finalizado e com a saúde em risco. Mas essa é uma outra parte da história, a história deles.

Nós, do GrupoM8, temos um novo projeto para ela, que é extremamente detalhado e atual, mas que será lançado apenas em unidades próprias, em algum momento, no qual acharemos uma brecha novamente para atuar. As unidades continuam na rede, mas não contribuem financeiramente

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para o projeto e usam a marca como motivação para que um dia volte a brilhar, como fora nos primeiros anos de operação. Eu particularmente só invisto novamente no ramo quando encontrar profissionais com visão de negócio além do seu tempo, porque modelos de gestão “feijão com arroz” eu não desenho mais.

Mas nem tudo estava perdido, mesmo porque a Tati e eu estávamos vivos e prestes a receber a notícia de nosso melhor projeto: o Enrico, quem nasceu em sete de outubro de 2009.

“Novos ventos inspiradores sopram quando menos se espera.”

No final de 2008, eu e a Tati, fomos buscar a minha cunhada em seu trabalho, um quiosque de bijuteria, inserido em um mercado do Bairro da Saúde, Zona Sul da capital de São Paulo. Como ainda faltavam vinte minutos para ela sair do trabalho, parei o carro em frente ao quiosque e dali fiquei analisando o movimento que tinha e quantas pessoas paravam, de minuto a minuto, e saiam com alguma sacolinha de compra, mesmo que pequena, nas mãos. Eu comentei com a Tati: “Você está vendo isso, um quiosque sem estrutura, sem atendimento, uma marca amadora e olha quanta gente parada ali. Por que será, se a imagem não ajuda em nada?” Ela me respondeu: “Já pensou esses clientes nas nossas mãos?”

Bom, não deu outra, assim que a irmã entrou no carro comecei a disparar uma pergunta atrás da outra, sobre quem eram os donos e como faríamos para apresentar nossa agência a eles. Ela me disse quem eram e comentou também que havia mais umas seis unidades, todas próprias, espalhadas em outros supermercados e metrôs, na cidade de São Paulo. Foi então que a mente começou a trabalhar e motivar-me, por saber que poderia entrar em outro ramo de atividade, em que poderíamos ser mais felizes que na odontologia.

Passaram-se alguns dias e não conseguimos contato com a empresa, mas aquilo não saía da minha cabeça e estava me tirando o sono, de uma forma gostosa. Pois eu estava adorando aquele movimento para pular de fase na vida. Chegando na agência, falei para a Tati: “Os proprietários não querem assunto com a gente, são pessoas muito ocupadas e eu acredito que, se apresentarmos nosso projeto de rede para eles, alterando apenas o ramo de atividade, poderemos cair no mesmo problema que na rede dos dentistas.” A Tati, na sua genialidade, me disse: “Por que não criamos uma empresa do zero e entramos no mercado com a novidade, ao invés de trabalharmos algo que já existe?”

Na mesma conversa lhe disse: “Só vou começar do zero se você me ajudar na parte intelectual e visual do projeto. Esse tem que ter a mão de nós dois, desde o início, porque podemos criar outros lá na frente e dividirmos o trabalho”. Ela não pensou dois segundos e me disse: “Eu topo”. Eu sabia, naquele momento, que a pessoa que eu mais amava, minha parceira de cortiço e pão com manteiga de todas as noites, venceria como empresária e se tornaria o “avião” no trabalho como é hoje, dirigindo a Uva e Verde, com sua equipe, nesta retomada da economia!

Após o “sim” da Tati, comecei a planejar como faríamos para iniciarmos uma operação neste novo ramo de atividade, além de ter que desenhar um plano de negócios perto da perfeição, para operar em um varejo tão complexo como o do Brasil, cujas variações vão do céu ao inferno, de um dia para o outro, e vice-versa.

À noite, saímos da agência e fomos jantar em um desses restaurantes gourmet do bairro do Jardim Europa, onde tínhamos alugado um apartamento (sim, a vida estava melhor que no cortiço), quando veio a ideia de rodarmos durante o fim de semana em alguns shoppings da capital, para visitarmos lojas do segmento, observando sempre o modelo de

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negócio, a intenção de compra, o posicionamento da marca e o vai e vem de clientes no interior da loja, além do produto em questão. No final da noite de domingo, tínhamos bons exemplos de operações de sucesso, inclusive redes de franquias que estavam com um bom posicionamento de mercado, ótimos produtos e uma marca condizente com o mix, além de um super visual de loja.

Na segunda-feira, traçamos a linha de público e o mix que queríamos seguir, e o ponto apropriado para colocar de imediato um pequeno quiosque, de seis metros por dois, para servir de laboratório. Pois acreditávamos, na época, que o formato era suficiente para dar faturamento com um custo menor que o de uma loja, na qual se cobravam luvas e aluguéis altíssimos, em função da procura e não pelo faturamento e número de clientes que passeavam pelo shopping.

Assim, buscamos uma arquiteta conhecida, apresentamos a ideia, por sinal a Tati é expert em desenhar no papel para um pré-entendimento, e nos sentamos para conversar a respeito. De fato, a ideia inicial era nos voltarmos ao público da classe C, este que estava consumindo muito no período, inclusive produtos baratos, com um certo valor agregado, como a da imagem da marca/quiosque e seu marketing externo, por exemplo.

Duas semanas depois, o projeto estava definido e alinhado com o mix que seria comercializado. Foi quando em uma quarta-feira ensolarada o meu telefone recebe uma chamada de um dentista da Zona Leste de São Paulo, perguntando sobre como poderia se tornar um licenciado da Unicodonto. Eu lhe expliquei que estávamos reformatando o plano de negócios e que a comercialização de novas unidades estava encerrada, até aquele momento. Depois de muito insistência, acabei convidando-o para batermos um papo no escritório da Paulista. Chegando lá, perto do fim da tarde, fomos para a sala de reunião e iniciamos dentro do assunto proposto: a Unicodonto. Dez minutos depois, no meio da conversa, toca o ramal da sala de reunião, era minha secretária que dizia que a arquiteta precisava tirar uma dúvida urgente, pois estava com o pessoal do shopping e precisava falar comigo naquele momento. Eu pedi para passar a ligação, e ela me disse que estava em reunião com a arquiteta do shopping, na sala ao lado da nossa. Foi então que pedi para se dirigirem até a sala onde eu estava, com o dentista, sua esposa e um casal de amigos, também interessados no projeto da Unicodonto.

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Minutos depois, abre-se a porta, entram a nossa arquiteta e a do shopping “a mil por hora”, falando sobre os detalhes do projeto, pois estavam ansiosas para tirar aquilo do papel o mais rápido possível. Eu as tranquilizei e as apresentei aos dentistas, pedindo para se sentarem e explicarem com calma qual era a dúvida. Perguntei se os dentistas não se importavam em pararmos um pouco e depois voltamos ao assunto, e me disseram que estava tudo ok, que poderia continuar com elas.

Logo, percebi, enquanto elas explicavam o que fariam de alterações no projeto, a atenção que a esposa do dentista estava dando ao assunto. Perguntei a ela se poderia dar sua opinião sobre o tema e do que se tratava. Conclusão: ela disse em bom tom que não queria mais a Unicodonto e sim um quiosque daquele instalado em um shopping center, perto da sua casa. Ficaram todos olhando para mim, aguardando a minha posição a respeito. Eu pensei comigo, que posição tomar? O que vou falar para esses clientes agora?

Pedi um minuto, saí da sala e fui até a sala da Tati. Chegando lá contei sobre o que estava rolando e ela ficou olhando para mim, aguardando o que eu faria naquele momento: “Pô, eu vim até aqui para você me falar. Eu não sei o que fazer, se damos continuidade ou mudamos de assunto”. Ela disse: “Vamos até a sala e lá tomamos a decisão sobre isso. Deixa-me conhecer esses clientes e sentir até onde eles querem ir”. A Tati é muito boa para perceber a reação das pessoas, pelo simples modo de como se portam na reunião.

Voltamos à sala, sentamo-nos, pedimos mais café e água, solicitamos também para as duas arquitetas nos acompanharem na reunião e retomamos o assunto sobre o quiosque. Que até então, não tinha marca, conceito de imagem impressa e nada que remetesse ao mix que estávamos dispostos a oferecer. Entrei no assunto, de leve, indagando se eles ainda tinham interesse em continuar a negociação sobre a Unicodonto e a resposta imediata foi não.

Eu estava na ponta da mesa, a Tati do meu lado direito e os dentistas do lado esquerdo, quando do nada disse: “Bom, vamos analisar se existe a possibilidade de nos juntarmos para tirarmos este projeto do papel e colocarmos em um shopping perto da sua casa, no extremo da Zona Leste de São Paulo, no bairro de Itaquera”. Perguntei para a arquiteta e responsável pelos números do shopping se ela tinha essas informações

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ali naquele momento, ela virou dando-me um sinal positivo. Perguntei se ela tinha uma base de preço, de quanto custaria para fabricar o quiosque. O restante: sistema, marketing, publicidade, pesquisa, eu já tinha o valor em mente.

Juntamos todos os valores e chegamos a um preço final, de custo geral, entre custos fixos, variáveis e de investimento inicial na operação. Chamei meu advogado na sala e perguntei se era possível nós licenciarmos a futura marca para aqueles dentistas. Ele confirmou que sim e que isso seria rápido de fazer, mesmo porque já operávamos neste formato com a Unicodonto.

Perguntei aos casais se eles tinham a verba para investir e ambos disseram que sim. Nós nos comprometemos com eles que em até duas semanas daríamos uma resposta. Fechando a reunião, fomos todos para casa e naquele momento eu pensei, estou ferrado, vamos construir novamente um negócio e colocar na mão de um terceiro. Mas algo me dizia que precisávamos dividir as tarefas para andar mais rápido e, talvez, este formato funcionasse melhor que os consultórios odontológicos, mesmo porque não tinha nada de especial, era apenas um quiosque em um shopping. O que me chamou a atenção foi o amor e a vontade com que a esposa do dentista olhava para o pré-modelo, acenando com um desejo enorme de poder realizar o sonho de estar em um shopping center. Pois bem, fomos para casa com a cabeça “a mil por hora”, pensando em como dar o nome e, posteriormente, preparar uma marca em até duas semanas, para apresentarmos aos candidatos a primeiros licenciados da marca.

Chegando a agência, na segunda-feira, a Tati disse que estava com a ideia de colocar o nome de uma fruta e seguir para um mix de produtos sustentáveis, da Amazônia, se possível. Ela tinha uma certa razão, pois não havíamos visto este modelo de negócio em nossas pesquisas de campo. Foi então que ela me disse: “O que você acha de Uva?” Eu achei bacana, em um primeiro momento, já visando a sua aplicação, mas preocupado também de como faria a patente da marca se “Uva” é um domínio público. Como eu tinha uma consultoria em uma multinacional naquele dia inteiro, disse que no final da tarde, início da noite, sentaríamos e estudaríamos o melhor caminho.

Voltando à agência, no final da tarde, ela me disse: “Vamos sair para jantar,

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quero te mostrar uma coisa”. Descemos até o estacionamento, entramos no carro novinho (sim, tínhamos um carro novinho, uma moto também e a Fiorino ainda estava lá) e seguimos para o local combinado, uma hamburgueria badalada na Vila Olímpia, bairro nobre da capital.

Sentamo-nos à mesa, os garçons nos atenderam e enquanto aguardávamos o pedido ela tira um desenho da bolsa, com a marca e o nome, afirmando que estava pronta para aplicar no quiosque e perguntando-me na sequência o que achei. Em um primeiro momento, estranhei, mas percebi que os olhos dela estavam brilhando, como os meus, quando penso em projetos bem-sucedidos e que nos beneficiarão financeiramente. “O amor pelo negócio estava no ar” e ganhando vida através das suas palavras. Muito bacana ver isso na pessoa que você ama e saber que ela está se achando profissionalmente, e que algo a está fazendo feliz.

Bom, falei o que ela queria ouvir, mas com uma pequena ressalva: a dificuldade da patente. Eu disse que não poderíamos entrar de cabeça em um projeto no qual, lá na frente, seria travado em uma batalha judicial, correndo o risco de perdermos dinheiro e o negócio em si. Ela, com sua inteligência feminina, disse-me que eu teria alguma solução. Eu dei uma pequena ideia, de que poderíamos em vez de fruta, seguirmos para as cores, criando uma que complementasse e a marca apontasse para o público feminino diretamente, em oitenta por cento dos casos. Ela aceitou muito bem, comemos e fomos embora para casa.

No outro dia, fiquei praticamente o dia todo dando consultoria a uma outra multinacional e, chegando em casa no final da noite, ela me apresenta a marca já com a cor que contrastava com o roxo, o complemento (a Uva), encaixado no posicionamento.

“Uva e Verde” simplesmente pra você!

A minha primeira pergunta foi: “Se são cores, o que a Uva e está fazendo aí?” Ficamos parados por alguns minutos, pensando qual de nós dois daria a resposta primeiro. A Tati se levantou e disse: “Vamos seguir assim mesmo, na forma como está, pois, existem grandes marcas que nascem assim e porque a nossa teria que ser diferente?” Eu pensei por uns três segundos e disse: “Está bem, vamos seguir assim. Marca aprovada!”.

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No dia seguinte, nos reunimos na agência com nosso pessoal para desenharmos as características de imagem do quiosque, em função da marca, dos produtos que teriam a marca estampada e como faríamos para posicioná-la no mercado de baixa renda.

Depois de acertamos todos esses detalhes, marcamos a reunião com nossos futuros licenciados “Uva e Verde”. Lembro-me muito bem, era uma sexta-feira, perto das 20h, quando eles saíram do elevador e entraram em nosso andar, sim, tínhamos um andar na Avenida Paulista. Iniciamos a reunião por volta das 20h30min, apresentando a marca, o modelo de quiosque, o marketing, a relação de produtos e fornecedores, a viabilidade, o prazo de retorno do investimento e toda a relação de documentos que precisaria para estar no shopping, em Itaquera.

A interessada ficou ainda mais apaixonada e disposta a encarar, o mais rápido possível, a inauguração do projeto. Explicamos que precisaríamos de pelo menos noventa dias para avaliarmos, através de pesquisas, os produtos que mais agradavam aquele público-alvo. Com este resultado em mãos, poderíamos iniciar as compras e planejar a abertura da primeira unidade. Nos despedimos e caminhamos todos para as nossas casas.

Entramos no mês de julho, em que comunicamos os já licenciados, que poderiam seguir até o shopping e fechar negócio, pois tínhamos feito uma negociação muito bacana para o primeiro ano de operação, além de termos conseguido também um parcelamento do mobiliário e do primeiro estoque.

Daquele dia para a frente preparamos todo o processo, ficando no aguardo de um “ok” do shopping para agendarmos a inauguração. Tínhamos todos os detalhes resolvidos para que a unidade fosse um sucesso, e estávamos tão mais ansiosos do que os licenciados.