quinta-feira, 19 de novembro de 2020

2001. As quedas e o aprendizado

 O ano de 2000 passou sem problema nenhum, mas ao entrarmos em 2001 a atmosfera começou a ficar estranha na empresa. Faturamento em queda, clientes assustados com o rumo da economia e outros detalhes a mais, novamente na política, como a possível eleição de um presidente de esquerda populista. Eu fiquei um pouco assustado, preocupado e sem saber o que fazer, porque até ali a minha vida de empresário não tinha sofrido nenhum arranhão maior do que eu poderia suportar, financeira e emocionalmente.

Em maio daquele ano eu resolvi então fazer uma auditoria através de uma empresa terceirizada, pois faturava perto de cinco milhões por ano e tinha uma folha de pagamento de quase sessenta colaboradores, entre terceirizados e contratados. Os custos realmente eram altos, bem como a certeza de dobrar o faturamento no ano seguinte, e ele cobriria todos os investimentos em pessoal, financiamentos de máquinas novas e capital de giro, captados naquele ano.

Foi quando a dois meses do meu casamento, em seis de agosto, o consultor me disse no relatório final que eu estava com um rombo nas contas, perto de três milhões de reais, nos dias de hoje. Eu tinha vinte e nove anos, não havia passado nem de perto por uma notícia tão grande para mim, naquela época, e o que me vinha em mente a todo momento é se conseguiria dar a volta por cima. Naquele mesmo mês, o Datafolha apresentou uma pesquisa de intenção de votos na qual a esquerda levaria a presidência, o governo brasileiro, na época anunciou a pior crise energética que já tivemos e o leste asiático, juntamente com a Argentina, entrava em colapso econômico. E para carimbar de vez a sequência de desgraças daquele ano, derrubaram as duas torres gêmeas.

Junte tudo isso, coloque na mesa e pergunte ao melhor economista do planeta se ele consegue te ajudar a reverter a situação. Conclusão: para me recuperar teria que trabalhar vinte e quatro horas por dia e dobrar o meu faturamento em oito meses. Sempre acreditei que conseguiria, até receber a notícia que as indústrias teriam que poupar energia e reduzir a sua jornada de trabalho. Essa foi a última notícia antes de eu tomar a decisão de encerrar as operações, vender tudo que podia para abater a dívida e conseguir casar-me em paz, dois meses depois, e só então repensar se conseguiria retomar. No mês seguinte, meu faturamento caiu sessenta e cinco por cento, e a dez dias do meu casamento eu não

tinha dinheiro para colocar gasolina no carro, e ir até o local do casório. A parte mais difícil para mim foi contar para a Tati que perderíamos a nossa casa, que estava sendo paga em parcelas, bem como os carros, as máquinas e tudo aquilo que construímos desde 1996.

A festa de casamento aconteceu porque foi paga um ano antes, com uma verba que estava sobrando em uma de nossas contas. Lembro-me até hoje quando a Tati entrou no local da cerimônia e me olhou diretamente da porta. As nossas reações foram instantâneas, começamos a chorar em uma mistura de sentimentos, alternando entre a felicidade de estar casando e a tristeza em já saber como faríamos para administrar tudo aquilo no dia seguinte.

Na segunda-feira, fui até a empresa, consegui levantar os bens e planejar o que faríamos com a venda deles. Nos meses seguintes, pagamos todos os funcionários e seus direitos, alguns fornecedores e zeramos os bancos. No balanço geral vendi tudo, perdemos a casa, os carros, ficamos apenas com um Fiat Fiorino financiado, com uma prestação baixa que conseguiríamos pagar, apesar de uma dívida restante de um milhão de reais.

Além disso, dois dias antes do casamento, contei para uma amiga nossa que iria me casar no sábado e não teria lugar para ir após a cerimônia, pois a financeira tinha tomado a nossa casa. Ela me indicou um lugar na extrema periferia de São Paulo, onde tinha um quarto, cozinha, banheiro e uma lavanderia pequena, em um quintal com mais três casas e a nossa seria a última do quintal. Fiquei feliz em saber que teria aonde chegar após a cerimônia e isso para mim, naquele momento, era suficiente.

Lembro que disse à Tati, assim que o casamento terminou, que isso que estava acontecendo conosco seria a nossa universidade, tanto espiritual quanto profissional: “Sairemos pessoas melhores quando esse furacão passar. E eu prometo a você, construiremos tudo de novo, duas vezes melhor do que construímos até hoje, independentemente do tempo que iremos levar”. Ela olhou para mim e não precisou falar nada, a sua vida estava ligada à minha em todos os sentidos. Fomos para a casa naquela manhã de domingo, deitamo-nos e dormimos até o dia seguinte.

Na segunda-feira, ela foi trabalhar e eu avaliar como faria para pagar o restante da dívida, pois este valor de um milhão de reais restantes estava dividido em pagamentos futuros, em cheques para diversas empresas.

Passarem-se alguns dias e os cheques começaram a voltar por falta de fundos, na porta do cortiço onde morávamos não paravam de chegar pessoas tocando a campainha. Eram oficiais de justiça, empresas de cobrança, agiotas que receberam os cheques de fornecedores e outros mais.

Na época emitimos cheques da empresa e das pessoas físicas, tanto os meus quanto os da Tati, que era a minha sócia na empresa. E alguns dos cobradores batiam na casa dos pais dela para fazerem pressão psicológica. Não foi fácil, pois a sua família, por mais que tenha passado dificuldades para conseguir algo na vida, nunca chegou perto de dever para ninguém. Era um outro problema que eu tive que resolver, que na verdade não foi resolvido, porque ninguém entendia o que aconteceu, e até hoje me olham com um olhar diferente. Lembro-me que meu pai perguntou se a dívida era alta e eu disse que era perto de oitenta mil reais, para deixá-lo tranquilo. Ele virou para mim e disse: “Meu Deus, como você vai fazer para pagar tudo isso, vai levar a vida toda”. Poxa, a vida toda? Pensei. Estava ali uma prova do que nem passava pela cabeça dele: o tamanho do meu negócio e a posição que a empresa estava colocada no mercado em que atuávamos. Realmente estava sendo uma universidade, porque na prática é diferente dos livros, esses de autoajuda que estão a rodo, espalhados nas livrarias.

Com toda a paciência do mundo, eu atendia um a um os que tocavam a campainha de casa. Alguns entravam para tomar café comigo e ouvir um pouco sobre a história. Com o tempo, a coisa foi sendo controlada, pois muitas empresas tinham falido e os cobradores estavam atrás dos que tinham mais dinheiro. E, fala sério, ir até a periferia de São Paulo, tocar a campainha em um cortiço, para cobrar quem já estava morto financeiramente era perda de tempo.

Duas semanas depois de casado e mudado para o “meu cortiço, minha vida”, resolvi pegar a Fiorino e visitar os clientes para contar o que aconteceu comigo e que eu estava ali, caso eles precisassem de alguma ajuda, sei lá, carregar um caminhão, talvez, por uns trocados. Para a minha surpresa, uma boa parte se sensibilizou com o acontecido, se reconheceram por terem passado outras crises, pois eram empresas de anos de mercado e me fizeram algumas propostas: algumas de emprego e outras como consultor gráfico. Tiveram casos de empresas me falarem que não queriam saber se eu não tinha mais a gráfica, mas que queriam continuar comprando de mim e que eu desse um jeito de atender. Foi muito bom viver esses momentos.

Finalizando essas visitas, após algumas semanas, fui atrás de uns três ou quatro amigos do ramo para pedir se eu poderia enviar alguns clientes em troca de comissão, e é claro que todos aceitaram. Mas, mesmo assim, como eu devia muito passei a terceirizar todo o trabalho porque os ganhos eram maiores.

Um belo dia estava em casa e pensei: poxa, vender impressos para essas empresas a um preço mais caro, só porque eles gostam do meu atendimento? Preciso oferecer algo a mais para compensar essa perda. Naquele momento, a minha ideia era pagar as dívidas e voltar a produzir como indústria, então não poderia perder esses contatos para a concorrência. Lembrei de um amigo que era publicitário e criava peças para empresas pequenas. Eu lhe disse: “Vou vender os impressos para as empresas e oferecer gratuitamente a criação de peças extras por minha conta. Você faz, eu te pago por fora e todos ganham”. Ele aceitou e comecei a oferecer na semana seguinte.

Como a dívida era grande para os meus padrões de morador de cortiço, eu precisava driblar algumas etapas e emplacar em coisas maiores, em que o meu poder de informação tivesse valor. Eu comecei a comprar livros de autoajuda, marketing, administração, publicidade, network e de pessoas bem-sucedidas, que passaram as mesmas dificuldades que as minhas. Lia cerca de três a quatro livros por mês, no primeiro ano. Além disso, passando o final do ano, a minha capacidade de ganho estava colocando em ordem alguns parcelamentos que fiz com os fornecedores mais próximos, mesmo assim não era suficiente.








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