quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Como é foda empreender no Brasil e chegar lá!

Deixo aqui, e nos próximos capítulos abaixo, uma cópia fiel do meu terceiro livro!

Boa leitura!

"Eu, meus vários fracassos e minhas muitas vitórias TESSARINI JR.''

25 ANOS DE HISTÓRIAS EM ALGUMAS PÁGINAS Tessarini, com muita garra e resiliência, conta a sua árdua trajetória e a história de como tomou a louca decisão de empreender em um país que é contra o empreendedorismo.





Eu, meus vários fracassos e minhas muitas vitórias

 Eu, meus vários fracassos e minhas muitas vitórias.

Antes de iniciarmos quero me apresentar e contar um pouco de onde eu venho e como fiz para chegar onde estou hoje. Me chamo José Roberto Tessarini Junior, para os amigos e clientes, “Tessa”, para a minha mãe e pai, “Junior”, e para o meu irmão mais novo, “fraca” (apelido carinhoso de fracassado). Sim, eu já fracassei algumas vezes, na verdade muitas, mas muitas mesmo. Nasci no tradicional bairro da Mooca, em São Paulo - capital, um local inspirador, repleto de cultura e uma “italianada” fora de série, de primeira linha. Cursei Direito por algum tempo, mas optei por investir no meu sonho. Sou juventino da Mooca e corintiano sofredor, nem tanto ultimamente. Não curto política!

Faço 48 anos em novembro de 2020 e me sinto completamente realizado, tanto no trabalho quanto em família. Sim, tenho o trabalho e a família que sonhei, posso me considerar um cara de muita sorte. Mas nem sempre foi assim...

O sonho de ser empresário, o qual busco desde criança, não é para ser o maior e sim o melhor em tudo que me proponho a fazer. Me considero um sonhador em busca de pessoas capacitadas (às vezes nem tanto), que acreditem nos meus sonhos e futuro. Sonho em encontrar pessoas que me proporcionem uma visão de como os negócios devem ser executados, para crescerem bem e em escala global. Depois de adulto eu procurei copiar modelos de sucesso, como o de Jack Welch, Warren Buffet, Jorge Paulo Lemann, assim como de outros no Brasil e no mundo, todos sonhadores como eu.

No texto a seguir, perceberão que “pulo de galho em galho” tentando sobreviver, isso acontece, mas dá para continuar e chegar lá, pois são caminhos naturais de todas as pessoas que chegaram lá. Nessa “coisa” de sonho você estabelece uma direção, segue e vai em frente. Às vezes não dá, mesmo assim continue em frente!

Certo dia li uma matéria do Jorge Paulo Lemann, em um almoço com o Elon Musk, que é o sonhador da atualidade, em que por volta das 14h ele, Musk, levantou-se da mesa e disse: “Vou ter que voltar para a TESLA, para resolver um problema de produção. Vou voltar para termos certeza de que vamos preencher as cotas de produção do dia e, se não funcionar, eu vou dormir lá!”. Este é o espírito de que tanto falo.

Em 1988, eu acreditava que seria presidente de banco, pois comecei a trabalhar muito cedo em um desses grandes bancos privados. Fiquei por lá durante quatro anos, recebi algumas promoções e um belo dia me deram um adeus e boa sorte.

Tive alguns trabalhos que antecederam o do banco, como o de balconista em uma farmácia, a famosa “Droga Neusa”, do Sr. Waldemar Pupo Ferreira, meu primeiro mentor e quem me ensinou, durante três anos, coisas do dia a dia que aplico até hoje em minhas empresas.

1992. Ano em que passei o primeiro grande período de tensão e aprendizado

 Após ter sido demitido do banco (em 1992), passei por momentos de tensão que só fazem a gente crescer e enxergar o que poucas pessoas conseguem ver: as oportunidades. O país estava uma loucura: alteração na moeda, presidente deposto e outras coisas mais que a nossa política nos presenteia de época em época.

Por meio de minha demissão percebi que havia um mercado no qual se comprava e vendia linhas telefônicas e ações da antiga estatal TELESP, de São Paulo. Com minha rescisão do banco resolvi estudar o mercado e apostar neste segmento. Procurei um consultor e fui instruído a abrir uma empresa e filiar-me ao órgão que regulamentava o setor, fui em frente!

Foram meses de negociações diárias, num mercado muito louco e dinâmico, que me rendeu uma boa experiência e algum dinheiro. Foi então que tive a minha primeira ideia: criar uma empresa de gestão de fundos – mais ou menos isto, pela qual eu administraria a verba de algumas pessoas investidoras e, através de um método de fila de espera, eu as beneficiaria com a sua primeira linha telefônica. O processo era bem simples e parecido com o de um consórcio, mas com um detalhe a favor do cliente: ele sabia quando receberia a sua linha. A minha função também era simples: administrar o fundo, comprar pelo melhor preço e entregar pelo preço de tabela da TELESP, a diferença era o meu lucro! Tudo estava fluindo muito bem, até eu saber que o primeiro beneficiado tinha, como endereço, uma rua onde não passava cabo para instalar a linha telefônica. E dentro do nosso grupo muitos outros clientes tinham a mesma adversidade em comum. Foi nesse momento, aos vinte e um anos, que os meus primeiros problemas como empresário começaram a acontecer.

Para concluir, acabei devolvendo a verba para os investidores que não possuíam endereço para instalação, distribuí o restante aos outros e liquidei a empresa, já pensando em partir para outro desafio.

Foi então que tive contato com um corretor de uma grande empresa de telefonia, que viu potencial em minhas ideias e me chamou para uma conversa a fim de me apresentar um modelo de linha e de aparelho telefônico, que estavam para chegar ao Brasil com a promessa de ser um sucesso de vendas.

Sim, era o celular!

Fizemos a primeira reunião na qual conheci o primeiro aparelho, uma espécie de telefone que mais parecia um aparelho por satélite. O meu caro amigo me disse que estava aguardando o governo liberar a concessão de linhas, para então importar muitos aparelhos, e que gostaria que eu entrasse nessa com ele.

Como a TELESP também operaria as ações, eu resolvi ficar apenas com esta parte. Segui em frente, criei uma empresa de compra e venda de ações e comecei meu novo empreendimento. Fazíamos muitos negócios diariamente, era tudo muito precário, no papel e na confiança. Foi uma época muito difícil, pois para me deslocar de um local ao outro, onde eu faria os negócios, perdia várias horas e, consequentemente, muitas oportunidades.

Já estávamos no ano de 1993 e a minha vida como empresário fluía muito bem, sempre lucrando e aprendendo muito com os meus contatos diários. Foi em 1994, quando chegamos ao Plano Real, que percebi através do pronunciamento de um ministro das telecomunicações, que a sua ideia era popularizar o telefone e as linhas, facilitando o acesso às camadas mais baixas e abrindo concorrência para as empresas privadas que quisessem explorar o setor.

Eu, naquela época, estava com a gaveta cheia de ações ordinárias e preferenciais, e uma centena de linhas telefônicas negociadas no mercado, para se concretizar em lucro para o negócio. Não esperei duas vezes depois que tive a certeza que o mercado mudaria de direção: vendi minhas ações, minhas linhas e encerrei as atividades da empresa. Depois de seis meses o governo decretava o que eu há muito já previa: a privatização das empresas de telecomunicações e a abertura de mercado.

Em julho de 1994, conheci um cara muito bacana, pai de umas amigas que estavam de mudança para a rua onde eu morava. Em um daqueles papos de moradores do bairro da Mooca, onde se coloca a cadeira na calçada e o papo rola até a madrugada, eu contei a ele o que fazia para ganhar dinheiro e que, naquele momento, não estava atuando em nenhum ramo. Foi quando ele me falou sobre onde trabalhava – o setor da indústria gráfica, e me convidou a conhecer de perto a empresa onde dava consultoria e ver a maravilha que era o mundo da impressão. Por mero acaso, meu pai já trabalhava no setor há trinta anos e eu passei a vida toda ouvindo sobre impressão, máquinas e números.

Resolvi dar uma chance ao acaso, e assim marcamos uma visita no outro dia para que ele me apresentasse o seu trabalho, era nítida a sua paixão pelo que fazia e aquilo me chamou a atenção. Lembro-me claramente de quando vi uma máquina gráfica trabalhando sem parar, perto de doze mil folhas A3 por hora, era a impressão de um catálogo colorido. Fiquei estático, sem piscar por alguns minutos, e acabei fazendo daquilo uma paixão à primeira vista. Não era pela técnica, mas sim pela beleza de um papel branco, sem graça, ganhar vida através das cores.

Saindo dali fomos almoçar e ele me contou que representava uma empresa de insumos para a indústria e que qualquer um, que desejasse iniciar no setor, deveria começar vendendo insumos. Aquilo me chamou a atenção e ficou fixo em minha mente por pelo menos uma semana.

A oportunidade bateu à porta

Em um belo domingo à tarde, passando em frente de sua casa, o meu amigo da indústria gráfica me chamou e disse que tinha uma vaga para consultor na empresa onde trabalhava, e por saber que eu estava buscando um novo caminho ele tinha certeza que eu me daria bem. Não pensei duas vezes e aceitei dar um pulo até a entrevista, na qual passei e fui contratado, agregando ao meu setor o centro de São Paulo.

Naquele ano, conheci muita gente boa: empresários de sucesso, gráficas enormes com muitos funcionários e máquinas trabalhando dia e noite. Eu estava apaixonado por tudo, mas faltava algo no meu dia a dia, e eu não sabia o que era.

Lembro-me bem de uma quarta-feira cinzenta em São Paulo e eu na Rua Vinte e Quatro de Maio, no centro da cidade. Em visita a uma gráfica pequena, encontrei um colega que representava uma empresa de papel e celulose. Saímos para almoçar e ele me contou que atuava há anos no setor e que, financeiramente, era uma pessoa muito bem-sucedida. Aquilo me chamou a atenção e pedi a ele algumas informações de ganho e se tinha mercado para atuar no papel, em conjunto com os insumos. Ele me olhou surpreso e disse: “Você acha possível vender ambos em alto nível, para duas empresas distintas e conseguir alcançar as metas adotadas por ambas?” Eu respondi que precisava desenhar no papel como faria para estar em dois lugares ao mesmo tempo, e que caso conseguisse um planejamento bem detalhado, era possível sim!

Nos despedimos, fui para casa já pensando em como eu poderia juntar ambas e atender os mesmos clientes com qualidade e agilidade. Chegando em casa, me debrucei no papel com caneta nas mãos e comecei a listar quais clientes que compravam insumos, poderiam comprar o papel ao mesmo tempo, cujo preço, prazo e qualidade andavam de mãos dadas o tempo todo.

Estava muito motivado e com o fim de adentrar a fundo no setor da indústria, em todos os seus meios. Dedicação e boa vontade nunca me faltaram, mesmo nos momentos em que travava e ficava olhando para a parede por horas.

Juntei em uma lista cerca de cem clientes com os quais eu tinha um bom relacionamento, fiz uma pesquisa com algumas perguntas, como por exemplo, que tipo de papel costuma comprar todos os meses, que gramatura, espessura e outros termos técnicos, que pesquisei junto a este meu novo colega do setor do papel e celulose. Após ter recebido, durante quatro meses, todas as respostas juntei elas ao meu dia a dia no insumo e comecei a montar o quebra-cabeça.

Em 1995, especificamente em janeiro, falei com o meu amigo do papel se era possível me colocar em contato com uma empresa do ramo. Por puro acaso, recebi um contato de uma empresa no bairro da Mooca que representava uma grande indústria. Contatei o gerente do setor e perguntei se antes de falarmos sobre a vaga eu poderia mostrar a ele o meu planejamento de trabalhar em duas frentes simultaneamente. Logo ele me retornou agendando uma reunião para o final daquela semana.

Chegando lá me apresentei, contei um pouco da minha história, ele contou a dele e o relacionamento começou a fluir tranquilamente. Após eu ter apresentado o planejamento ele me pediu um minuto, saiu da sala e retornou com um homem de estatura acima da média, voz grossa e que falava pausadamente. Ele se apresentou como diretor da empresa e me pediu para passar-lhe o que pretendia com aquele monte de papel que estava em cima da mesa. Pois bem, com toda a paciência de quem quer vencer na vida, falei tudo de novo, por cerca de duas horas sem parar; lógico que com toda a empolgação de quem quer “vender seu peixe” e ainda dar lucro para a empresa parceira. Ele se levantou sem comentar nada, me perguntou se era possível voltar dali a uma semana para me reunir com ele e mais algumas outras pessoas. Eu disse que sim, apertamos as mãos e fui embora. Chegando em casa, fiquei pensativo e imaginando o que iria acontecer dali para a frente. Como já era final de semana, relaxei e deixei para voltar a pensar mais perto da reunião.

Na semana seguinte, lá estava eu sentado em uma sala com umas dez pessoas, olhando diretamente para mim e falando baixinho. Achei muito esquisito, mas tudo bem, estava ali para encarar e ver de perto qual seria a conclusão. Uma coisa já tinha ganhado: experiência.

Um homem de voz grossa entrou na sala, cumprimentou todos e sentou-se ao meu lado, na cabeceira da mesa. A sua primeira pergunta foi bem direta: “Quantos anos você tem, menino?” “Vou fazer 23 em novembro”, falei para ganhar um pouco mais de idade, avançando alguns meses. Ele mandou a segunda pergunta: “Quem fez este planejamento para você?” Eu perguntei o porquê da dúvida e para irmos direto ao assunto, sem meias palavras.

Ele foi direto e me disse que aquele planejamento de juntar dois setores tão complexos, divididos e de indústrias diferentes era uma loucura, mas que tinha uma pequena chance de dar certo e que dependeria de muito trabalho e suor, para que chegasse ao objetivo final, que era faturar para ambas as empresas. Eu disse que não custaria nada colocar em prática, que não queria ganhar salário fixo e que trocaria todo o resultado de um funcionário padrão por um bônus sobre a meta.

Daquele momento em diante estava nascendo um setor de insumos, dentro de uma empresa de papel e celulose. Passaram-se alguns dias, fui contratado e comecei a colocar em prática o meu planejamento. A partir deste novo negócio, minha vida no setor começou a deslanchar. Fiquei conhecido como o “louco da empresa”, título que me é dado até hoje, o qual recebo com muita honra, desde quando eu tinha quatro ou cinco anos de idade, já que minha família e a dos meus amigos e primos me chamava de “louquinho” e diferente.

Passaram-se seis meses e o novo setor estava faturando muito, bônus sobrando na minha conta e uma carreira certa a seguir, como futuro presidente de empresa de insumos, papel e celulose. Mas estava muito fácil para parecer verdade.

Até que então...

Em uma das visitas a clientes eu conheci dois sócios de uma gráfica de grande porte, que hoje são meus amigos, no bairro do Cambuci, Zona Sul de São Paulo, os quais estavam à procura de um representante para a empresa. Eles compravam de mim, todo o dia quinze, um bom pedido de papel e de insumos para a sua empresa. De uns três meses para trás até aquele dia, nós desenvolvemos uma afinidade muito bacana, ao ponto de que cheguei a frequentar as suas casas e conhecer seus familiares.

Em uma de nossas conversas, em um jantar familiar, um dos sócios me questionou se eu tinha relacionamento com os proprietários de empresas, confirmei que sim, pois tinha muitos amigos empresários no bairro. Bairro que por sinal, é uma fábrica de empresários em grande escala, devido ao legado dos italianos imigrantes. Ele me ofereceu uma oportunidade, que até então, não atrapalharia o meu dia a dia nos setores de papel e insumo, que foi indicar a sua gráfica para a impressão, em troca de uma bonificação. Eu disse que não haveria problema e que providenciassem alguns cartões de visitas, para eu distribuir na minha rede de contatos.

Pois bem, eu perguntava para todo amigo empresário que eu encontrava na rua, ou em festas, ou em qualquer outro evento, se ele estava feliz com a gráfica que o atendia. Na maioria das vezes as repostas eram negativas, pois as reclamações partiam de falta de atendimento, entendimento do que desejavam em seus projetos gráficos, descumprimento de prazo, má qualidade até outros detalhes. Eu comentava sobre a gráfica dos meus amigos, pedia para entrar em contato, mas parece que a coisa “gruda em mim”: os meus amigos me pediam para fazer a transação entre a empresa deles e a gráfica. Foi aí que tudo começou a complicar um pouco.


1996. Ano memorável: conheci meu amor e tive muitas conquistas e desafios

 No dia 27 de abril de 1996 aconteceu o melhor acontecimento da minha vida: conheci a Tati em uma balada em São Paulo e ali percebi que a amei logo de imediato, e que seria a minha futura esposa. Uma loucura, pois ela tinha dezesseis anos e eu vinte e três. Por fim, não foi tão insano assim. Na segunda-feira, após a paixão me pegar de jeito, estava cego, completamente deslumbrado, com as “pernas bambas” e fala ofegante. Sabia que, talvez, esse sentimento pudesse atrapalhar os negócios, mas eu estava cego de amor, e quem se sente assim prefere arriscar tudo, inclusive encarar a família dela, já apostando no casório.

Voltando à gráfica dos meus amigos, a coisa começou a tomar uma proporção tão grande, em número de pedidos das empresas dos meus amigos e da empresa de papel e de insumo, que ficou insustentável eu conciliar tudo isso com a paixão que me atacou de uma forma tal, que não conseguia mais enxergar outra coisa a não ser: querer vê-la todos os dias.

Foi quando, em uma quinta-feira, os meus amigos da gráfica me ofereceram uma sociedade de trinta e três por cento sobre a empresa, em troca de uma boa grana, praticamente todo o bônus que eu tinha guardado, mais cem por cento do meu tempo investido na sociedade, apenas nela. Foi irrecusável, os meus ganhos reais potencializariam em dez vezes, em relação ao que eu ganhava nas empresas de celulose e insumos.

Foi uma semana extremamente difícil, pois eu tinha que largar tudo aquilo que construí para iniciar em outro ramo, que para mim, já estava dentro do meu segmento e que não teria problemas em me adaptar, mesmo porque a minha experiência no papel e nos insumos era a base da indústria gráfica. Foi naquele dia que me lembrei do amigo da minha rua, quando ele me mostrou a máquina gráfica turbinada na impressão de catálogos. Eu pensei bem e tomei a decisão: serei um empresário do ramo gráfico e com foco em organizar o setor e entregar qualidade, preço e prazo!

Na segunda-feira, liguei para a Tati, nos encontramos e, pela primeira vez, ela me perguntou o que eu fazia. Eu disse, com o peito erguido como pombo, aos meus vinte e três anos: empresário da indústria gráfica! Ela, como tinha apenas dezesseis anos, não entendeu quase nada do que eu estava falando, mesmo porque, na ETE Getúlio Vargas, onde estudava edificações, os seus dias eram de muito foco e estudo, e eu já estava “na pista” desde os meus onze anos, sendo que até os treze vendi maria-mole e gelatina, de porta em porta.

Na quarta-feira, voltando à gráfica, os sócios e eu fomos ao contador, passamos um terço da empresa para o meu nome, almoçamos para comemorar e, à tarde, fui me demitir das empresas que me deram a oportunidade de estar ali, sendo sócio de uma indústria gráfica.

Pedi dois dias de descanso para meus dois sócios e se poderia iniciar com eles na segunda-feira próxima. Acertados os detalhes, corri para ligar para a Tati e contar a novidade: o fato estava consumado. Como jovens e do povo, fomos ao Habib’s, uma febre na época, e comemoramos comendo vinte esfihas de queijo cada um. Isso mesmo, cada um. Acho que estudar como a Tati estudava devia dar uma fome de camelo. Eu comia porque sempre comi de “esganado” que sou.

Voltando aos trabalhos na segunda-feira, dividimos a empresa em três, administração com o sócio mais velho, fábrica com o do meio e eu com o comercial, que na verdade já era sustentado pelas empresas indicadas por mim.

Foi um ano muito bacana, de muitas vitórias! E eu como iniciante confiava cegamente nos dois sócios, mesmo porque eu nunca fui bom em administração, ainda mais contar centavos, como se contava na indústria.

Como sou um cara de sorte, a coisa estava muito boa para ser verdade.

Certo dia, cheguei à tarde para trabalhar, pois de manhã fazia visitas a clientes, e virando a esquina, ainda de dentro do carro, eu vi os dois sócios sentados na guia da calçada e uma faixa da Receita Federal interditando a empresa, juntamente com uns cinco ou seis oficiais de justiça, com intimações de busca e apreensão em mãos, para retirar as máquinas e lacrar o prédio.

O que fazer em um momento desses? Para mim foi simples, sentei-me ao lado deles e contribuí com a mesma cara de azedo que eles estavam. Nem perguntei nada, pois percebi que tinha sido enganado e não quis discutir. As pessoas que me conhecem sabem que eu não discuto, viro as costas e construo tudo de novo, e foi o que eu fiz!

Contudo, uma semana antes eu havia recebido um bônus das empresas anteriores e acabei trocando a guilhotina da gráfica por outra “zero km”. Por sorte, essa o banco não podia tomar. Depois de dividirmos os acordos para pagamento dos bancos e fornecedores em três partes, eu tirei a guilhotina de lá e a vendi, juntamente com o único carro que tinha, para pagar a dívida. Sei que faz parte, mas deveria ter checado antes de ser sócio. Na verdade, não saberia nem por onde começar esta checagem, naquela época.

Na semana seguinte, após “a poeira ter baixado”, iniciei uma série de visitas aos clientes, contando de uma forma técnica e não comentando sobre os sócios, acerca do que tinha acontecido. Para a minha surpresa, grande parte daqueles empresários já tinham passado por problemas parecidos, em algum momento de suas vidas. Aquilo, por um certo momento, colocou-me de novo nos trilhos, arregacei as mangas e comecei novamente do zero.

Agora vem o melhor da história: como atender clientes que precisam comprar impressos se você não tem gráfica? Foi então que peguei o papel e a caneta e comecei a projetar um novo planejamento para voltar ao setor, mas dessa vez como proprietário único da gráfica! Com a verba que me sobrou consegui comprar um FIAT Prêmio 1986, que parava dia sim dia não no mecânico. Fora o dinheiro que gastava eu para consertar, tinha que arcar com os custos do dia sem o carro. A Tati e eu passamos muitos momentos engraçados com aquele “pau véio”.

Entre os meus trabalhos, dos onze aos quinze anos eu acabei fazendo um curso de programação de sistema no SENAI em São Paulo, e foi naquele curso, em 1985 que mexi em um computador pela primeira vez. Desde então eu só via estes computadores nas empresas, de longe, inclusive na gráfica onde fui sócio. Eu olhava para eles e ficava pensando, será que tem futuro?



1997. O ano de um novo ciclo pessoal

 Em 1997, tive contato com uma empresa que tinha acabado de importar uma máquina gráfica digital a laser e estava imprimindo cartões de visita a pronta entrega. Quando vi pela primeira vez não acreditei, mas percebi que poderia operar, pois conhecia o sistema e tinha jeito para o computador.

Foi então que as coisas começaram a mudar para mim e para a minha “lindona” Tati. Bom, para ela mudou para pior, mas foi o que fez seguirmos até aqui. A Tati morava na divisa entre o ABC e a cidade de São Paulo e para chegar até lá era preciso ir de carro, pois de ônibus e metrô levava perto de três horas, ida e volta, até a Mooca.

Nesse meio tempo, recebi uma verba de um pedido grande que fiz, de impresso para uma multinacional, e resolvi trocar de carro! Vendi o “pau véio” do Prêmio e coloquei toda a verba no banco, juntamente com a última comissão.

Tomei o metrô e fui comprar um carro novo em uma concessionária, na Zona Norte de São Paulo. Não sei por que lá, mas o meu destino estava traçado naquele dia. Já dentro do metrô, eu vi um cidadão lendo um jornal, em que na capa tinha um anúncio da ABIGRAF, feira da indústria gráfica, no centro de exposições Anhembi, também em São Paulo. Aquilo me chamou a atenção e eu pensei: não custa dar uma passada por lá, é no caminho mesmo.

Estava iniciando naquele momento uma nova etapa da minha vida, muita coisa boa, muitas alegrias, e lógico, fechando o ciclo com todo o restante.

Em julho de 1997, desci do metrô e fui para dentro da feira. Chegando lá fiquei maravilhado com tanta novidade, tecnologia, máquinas, opções etc.

Depois de rodar umas duas horas pela feira conheci um espanhol, em um estande de uma marca que não conhecia e que estava chegando ao Brasil: a LEXMARK. Ele me chamou e perguntou o que estava procurando, eu disse que não sabia, mas que estava perto de achar. Ele colocou a mão no meu ombro e disse: “Vem aqui na salinha privada que vou mostrar uma máquina que é o seu número e para caras da tua idade, que conseguem entender o novo caminho da impressão do futuro”.

Chegando lá na salinha, ele tirou da caixa uma impressora a laser colorida e portátil, até então nunca vista no Brasil, e me disse: “Você quer que eu te mostre o que ela faz?” “Claro, por favor”, respondi. Ele simplesmente ligou a máquina na tomada, conectou no computador, abriu um sistema de cartão de visitas automático e imprimiu uma folha no papel cartão, onde estavam dez cartões em uma folha só, com uma impressão brilhante, forte e de encher os olhos de qualquer profissional da área.

Como não sou gráfico, estou gráfico, disse a ele: “Quanto custa a impressão por folha?” Ele me disse: “R$0,50, preço final com o papel!” E no mesmo momento fiz a conta: bom, para imprimir mil cartões vou precisar de cem folhas a R$ 0,50 = R$ 50,00; eu vendo por R$ 95,00 e levo de dez a quinze dias para entregar. Imaginem se meu cliente receber seu pedido no mesmo dia e dez por cento mais barato? Pensei: vou ficar rico trabalhando do meu quarto! E realmente foi o que aconteceu, mas antes tive que convencer a Tati, que já estava convencida porque me amava de paixão, bom, ela que dizia isto, eu só estou colocando no papel. Tive que convencer meu pai para deixar-me entrar em casa com um robozinho daqueles, que para ele não serviria para nada, mesmo estando ativo na indústria gráfica há trinta anos. E, por fim, convencer a minha mãe a me deixar trabalhar em casa e ter que aguentar os vizinhos me chamarem de vagabundo. Mãe vocês sabem como é: o vizinho em primeiro lugar, depois a imagem do filho. Pelo menos a minha era assim!

Voltando à feira, perguntei ao espanhol quanto custava a máquina e o que precisava a mais para completar a operação. Ele me disse que precisaria do computador, de um scanner de mão (que loucura, de mão mesmo), com o qual tínhamos que escanear a página em duas e juntar no sistema. O scanner serviria para trazer a marca do cliente à tela, para trabalhar na qualidade do vetor em sua maioria. Uma reserva de cartuchos, um mouse e algumas folhas de papel cartão, que para mim não era problema algum.

Fechei negócio com ele e financiei a máquina 100%, sendo que teria verba para pagar até a segunda prestação. Retirei o valor da venda do carro, da comissão de venda da multinacional e comprei o restante.

Chegando em casa, liguei para a Tati e disse: “Se prepara para ficar rica e me ajudar a construir este império, que vai começar no quarto de casa!” Ela chorou de rir, mas como sempre, comprou a ideia. Cheguei na sala e disse para o meu pai de supetão: “Comprei uma máquina gráfica e vou montar uma nova empresa e começar do zero.” Ele, todo animado, me perguntou, com a minha mãe do lado: “Onde será a empresa?” Ficamos por alguns minutos um olhando para o outro, até eu soltar: “Vai ser aqui em casa, no meu quarto.” Eu não teria como descrever a reação deles, mas foi muito engraçado, além de estar estampado na cara deles que o “louquinho” tinha voltado com tudo.

Na sequência, veio a pergunta que não quer calar: “Comprou com o dinheiro do carro?” Pai e mãe só mudam de endereço! Como ser empresário sem sacrifício? Na verdade, fui criado em uma família onde até eu sei, só meu tio, ex-torneiro mecânico, formado em contabilidade, foi um homem bem-sucedido como empresário, e é até hoje. O restante era da turma. Um viva à CLT com muito orgulho. Eu, particularmente, tenho horror, a começar pela cor da CLT, credo.

Passaram-se alguns dias, chegaram o computador e os acessórios, juntamente com o CD do sistema que rodava os cartões e, dois dias depois, a máquina gráfica. Esse dia também foi muito engraçado. A transportadora tocou a campainha de casa (uma coisa que odeio é campainha), e a família toda saiu na porta para esperar descerem a máquina do caminhão. De repente, desce um cara com uma caixinha na mão e entrega para o meu pai, ele perguntou: “É a caixa dos manuais?” Me deu um acesso de riso porque eu já sabia a resposta. “Não, senhor”, respondeu o ajudante, “É a impressora LEXMARK”. Depois de alguns segundos de silêncio, meu pai virou para trás, olhou para mim e não disse nada, mas eu sei o que ele estava pensando: “Jesus, cuida deste menino louquinho”.

Passados estes detalhes, que deixaram minha família de cabelo em pé, subi para o quarto e descobri que as tomadas ficavam atrás da cama. Conclusão: não tinha como mudar a cama de lado porque o guarda-roupa, do ano de 1289 que pesava 1.500 kg, não dava para arrastar. Moral da história: descemos para a sala, e como a minha casa tinha duas salas, uma virou a gráfica.

Depois do jantar, liguei a máquina no computador e na tomada “gambiarra” que passava por trás do freezer, para ligar o restante. Alguns segundos e: pronto, funcionando.

Imagine para alguém, como meu pai, que trabalhava na indústria gráfica há trinta anos e tinha contato só com máquina do tamanho de ônibus, ver sair a impressão – que até então só se via em offset no modo de impressão de grandes máquinas, e presenciar sair uma folha com aquela qualidade para a época; isso porque eu não tinha comentado sobre os custos de impressão e valor de venda.

Quando eu imprimi a folha teste de cartões, ele ficou louco, motivado, feliz, tenso e sem saber o que falar, pois viu que eu tinha dado a tacada certa. Passaram-se alguns minutos de análise da impressão e eu comentei o valor de venda por folha e o custo por impressão, e foi neste momento que realmente ele sentiu que a coisa poderia acontecer.

Depois que a poeira baixou, eu percebi que precisava de uma guilhotina para cortar os cartões, e não tinha percebido este detalhe quando negociei a máquina. Bom, já na segunda-feira, fui ao banco que tinha trabalhado e pedi um empréstimo sem ter como pagar, a não ser pelas vendas dos cartões. Acabei comprando uma guilhotina pequena, automática e muito moderna para a época.

Na terça-feira, estava completamente endividado, sem crédito algum, pois tinha usado todos possíveis e sem o principal: o carro para fazer as visitas e buscar a Tati nos finais de semana, para namorarmos. Por sinal, o namoro estava indo de “vento em popa”, eu saia da minha casa às seis da manhã do sábado, para pegá-la em sua residência às oito da manhã, de metrô e ônibus, e voltava às dez da manhã, com ela, para ajudar a fechar os pedidos e dar vazão às impressões e pacotes dos clientes, que eu teria que fazer na segunda-feira.

O bacana de tudo isso era que a empresa dava lucro e recursos para pagar os empréstimos e guardar um capital de giro para o dia a dia, além do investimento seguinte, que foi um carro novo. Essa é a parte legal de todo esse desafio. No entanto, depois de um ano de muito trabalho, eu já não aguentava mais “virar vinte quatro horas”, com a família toda tendo que trabalhar no dia seguinte e a máquina e guilhotina não paravam. Uma hora imprimindo, outra hora cortando.


1998. O fortalecimento da empresa caseira e dos sonhos

 Quando fizemos um ano de empresa, início de 1998, finalzinho de janeiro, eu peguei todas as economias e, mesmo com uma vontade enorme de comprar um carro novo, fechei os olhos e comprei uma outra máquina, pois sabia que poderia fazer doze meses de faturamento, em três de operação e, na sequência, comprar o tão sonhado carro, que prometia para a Tati todos os dias.

Uma parte da nossa história em comum, é que todo sábado à noite, quando eu levava cerca de quatro horas entre idas e vindas até a casa dela, de ônibus e metrô, olhávamos aqueles carros na rua, indo para a balada, restaurantes, lanchonetes, cinemas, mas eu tinha que voltar rápido para a casa e seguir com o trabalho que rolaria até domingo à noite. E ela sempre ao meu lado, em muitos momentos dormindo em pé, mas firme no salto para não me desanimar.

Passados quatro meses que a segunda máquina chegou, eu disse a ela: “Consegui separar uma verba e estou indo comprar um Gol 1982, motor de geladeira, para pelo menos diminuirmos o tempo das nossas idas e vindas até a sua casa”. Ela sorriu pelo telefone e aguardou ansiosa a minha chegada à noite, com o carro novo, que para ela, simples como sempre foi, estava de bom tamanho naquele momento. O que ela não sabia é que eu tinha acabado de encomendar um Ômega “zero km” na concessionária.

Para não dizer que deu tudo certo, quando peguei o carro e estava subindo a Avenida Rebouças, em São Paulo, uma senhora acertou a minha traseira em cheio, no farol de pedestres. Externamente não mexeu com as estruturas, só depois de dias quando levei à concessionária, e acionei o seguro, que vi o estrago que fez.

Voltando à “festa do carro novo”, liguei para ela, do meu celular Motorola Startac, e disse que estava dentro do Gol 1982 com motor de geladeira, indo buscá-la para irmos ao cinema, depois de dezoito meses de muito trabalho. Quando cheguei e da varanda ela viu o carro, deu para perceber o suspiro de alívio e vitória, estampado no seu rostinho angelical. Com aquela satisfação de dever cumprido, principalmente com a sua família, que talvez, em algum momento, não acreditasse quando ela comentava sobre os processos diários que passávamos. Eu sei como deve ter sido duro, mas aquele momento era de festa, muita festa. Como nós não temos o hábito de bebidas alcoólicas, enchemos a cara de suco e Coca-Cola a noite inteira. Foi um momento único e ali eu tive a certeza de que ficaria com ela para sempre!

Passados esses momentos de pura emoção, voltei ao trabalho muito mais fortalecido, e alguns meses depois, mudei a empresa de casa para um sobrado perto dali, onde iniciei um ritmo acelerado de produção e contratação de pessoas, junto com a aquisição de outras máquinas, até o momento de chegarmos a ter vinte e cinco funcionários na empresa e cem por cento da capacidade de produção.

Não tinha para onde crescer mais e a economia, com o Plano Real, estava aceleradíssima. A nossa clientela aumentava a cada dia e a pressão era geral, entre os colaboradores e clientes, por ampliação do parque gráfico. Tive que tomar uma decisão rápida e que selaria o meu futuro.