quinta-feira, 19 de novembro de 2020

1997. O ano de um novo ciclo pessoal

 Em 1997, tive contato com uma empresa que tinha acabado de importar uma máquina gráfica digital a laser e estava imprimindo cartões de visita a pronta entrega. Quando vi pela primeira vez não acreditei, mas percebi que poderia operar, pois conhecia o sistema e tinha jeito para o computador.

Foi então que as coisas começaram a mudar para mim e para a minha “lindona” Tati. Bom, para ela mudou para pior, mas foi o que fez seguirmos até aqui. A Tati morava na divisa entre o ABC e a cidade de São Paulo e para chegar até lá era preciso ir de carro, pois de ônibus e metrô levava perto de três horas, ida e volta, até a Mooca.

Nesse meio tempo, recebi uma verba de um pedido grande que fiz, de impresso para uma multinacional, e resolvi trocar de carro! Vendi o “pau véio” do Prêmio e coloquei toda a verba no banco, juntamente com a última comissão.

Tomei o metrô e fui comprar um carro novo em uma concessionária, na Zona Norte de São Paulo. Não sei por que lá, mas o meu destino estava traçado naquele dia. Já dentro do metrô, eu vi um cidadão lendo um jornal, em que na capa tinha um anúncio da ABIGRAF, feira da indústria gráfica, no centro de exposições Anhembi, também em São Paulo. Aquilo me chamou a atenção e eu pensei: não custa dar uma passada por lá, é no caminho mesmo.

Estava iniciando naquele momento uma nova etapa da minha vida, muita coisa boa, muitas alegrias, e lógico, fechando o ciclo com todo o restante.

Em julho de 1997, desci do metrô e fui para dentro da feira. Chegando lá fiquei maravilhado com tanta novidade, tecnologia, máquinas, opções etc.

Depois de rodar umas duas horas pela feira conheci um espanhol, em um estande de uma marca que não conhecia e que estava chegando ao Brasil: a LEXMARK. Ele me chamou e perguntou o que estava procurando, eu disse que não sabia, mas que estava perto de achar. Ele colocou a mão no meu ombro e disse: “Vem aqui na salinha privada que vou mostrar uma máquina que é o seu número e para caras da tua idade, que conseguem entender o novo caminho da impressão do futuro”.

Chegando lá na salinha, ele tirou da caixa uma impressora a laser colorida e portátil, até então nunca vista no Brasil, e me disse: “Você quer que eu te mostre o que ela faz?” “Claro, por favor”, respondi. Ele simplesmente ligou a máquina na tomada, conectou no computador, abriu um sistema de cartão de visitas automático e imprimiu uma folha no papel cartão, onde estavam dez cartões em uma folha só, com uma impressão brilhante, forte e de encher os olhos de qualquer profissional da área.

Como não sou gráfico, estou gráfico, disse a ele: “Quanto custa a impressão por folha?” Ele me disse: “R$0,50, preço final com o papel!” E no mesmo momento fiz a conta: bom, para imprimir mil cartões vou precisar de cem folhas a R$ 0,50 = R$ 50,00; eu vendo por R$ 95,00 e levo de dez a quinze dias para entregar. Imaginem se meu cliente receber seu pedido no mesmo dia e dez por cento mais barato? Pensei: vou ficar rico trabalhando do meu quarto! E realmente foi o que aconteceu, mas antes tive que convencer a Tati, que já estava convencida porque me amava de paixão, bom, ela que dizia isto, eu só estou colocando no papel. Tive que convencer meu pai para deixar-me entrar em casa com um robozinho daqueles, que para ele não serviria para nada, mesmo estando ativo na indústria gráfica há trinta anos. E, por fim, convencer a minha mãe a me deixar trabalhar em casa e ter que aguentar os vizinhos me chamarem de vagabundo. Mãe vocês sabem como é: o vizinho em primeiro lugar, depois a imagem do filho. Pelo menos a minha era assim!

Voltando à feira, perguntei ao espanhol quanto custava a máquina e o que precisava a mais para completar a operação. Ele me disse que precisaria do computador, de um scanner de mão (que loucura, de mão mesmo), com o qual tínhamos que escanear a página em duas e juntar no sistema. O scanner serviria para trazer a marca do cliente à tela, para trabalhar na qualidade do vetor em sua maioria. Uma reserva de cartuchos, um mouse e algumas folhas de papel cartão, que para mim não era problema algum.

Fechei negócio com ele e financiei a máquina 100%, sendo que teria verba para pagar até a segunda prestação. Retirei o valor da venda do carro, da comissão de venda da multinacional e comprei o restante.

Chegando em casa, liguei para a Tati e disse: “Se prepara para ficar rica e me ajudar a construir este império, que vai começar no quarto de casa!” Ela chorou de rir, mas como sempre, comprou a ideia. Cheguei na sala e disse para o meu pai de supetão: “Comprei uma máquina gráfica e vou montar uma nova empresa e começar do zero.” Ele, todo animado, me perguntou, com a minha mãe do lado: “Onde será a empresa?” Ficamos por alguns minutos um olhando para o outro, até eu soltar: “Vai ser aqui em casa, no meu quarto.” Eu não teria como descrever a reação deles, mas foi muito engraçado, além de estar estampado na cara deles que o “louquinho” tinha voltado com tudo.

Na sequência, veio a pergunta que não quer calar: “Comprou com o dinheiro do carro?” Pai e mãe só mudam de endereço! Como ser empresário sem sacrifício? Na verdade, fui criado em uma família onde até eu sei, só meu tio, ex-torneiro mecânico, formado em contabilidade, foi um homem bem-sucedido como empresário, e é até hoje. O restante era da turma. Um viva à CLT com muito orgulho. Eu, particularmente, tenho horror, a começar pela cor da CLT, credo.

Passaram-se alguns dias, chegaram o computador e os acessórios, juntamente com o CD do sistema que rodava os cartões e, dois dias depois, a máquina gráfica. Esse dia também foi muito engraçado. A transportadora tocou a campainha de casa (uma coisa que odeio é campainha), e a família toda saiu na porta para esperar descerem a máquina do caminhão. De repente, desce um cara com uma caixinha na mão e entrega para o meu pai, ele perguntou: “É a caixa dos manuais?” Me deu um acesso de riso porque eu já sabia a resposta. “Não, senhor”, respondeu o ajudante, “É a impressora LEXMARK”. Depois de alguns segundos de silêncio, meu pai virou para trás, olhou para mim e não disse nada, mas eu sei o que ele estava pensando: “Jesus, cuida deste menino louquinho”.

Passados estes detalhes, que deixaram minha família de cabelo em pé, subi para o quarto e descobri que as tomadas ficavam atrás da cama. Conclusão: não tinha como mudar a cama de lado porque o guarda-roupa, do ano de 1289 que pesava 1.500 kg, não dava para arrastar. Moral da história: descemos para a sala, e como a minha casa tinha duas salas, uma virou a gráfica.

Depois do jantar, liguei a máquina no computador e na tomada “gambiarra” que passava por trás do freezer, para ligar o restante. Alguns segundos e: pronto, funcionando.

Imagine para alguém, como meu pai, que trabalhava na indústria gráfica há trinta anos e tinha contato só com máquina do tamanho de ônibus, ver sair a impressão – que até então só se via em offset no modo de impressão de grandes máquinas, e presenciar sair uma folha com aquela qualidade para a época; isso porque eu não tinha comentado sobre os custos de impressão e valor de venda.

Quando eu imprimi a folha teste de cartões, ele ficou louco, motivado, feliz, tenso e sem saber o que falar, pois viu que eu tinha dado a tacada certa. Passaram-se alguns minutos de análise da impressão e eu comentei o valor de venda por folha e o custo por impressão, e foi neste momento que realmente ele sentiu que a coisa poderia acontecer.

Depois que a poeira baixou, eu percebi que precisava de uma guilhotina para cortar os cartões, e não tinha percebido este detalhe quando negociei a máquina. Bom, já na segunda-feira, fui ao banco que tinha trabalhado e pedi um empréstimo sem ter como pagar, a não ser pelas vendas dos cartões. Acabei comprando uma guilhotina pequena, automática e muito moderna para a época.

Na terça-feira, estava completamente endividado, sem crédito algum, pois tinha usado todos possíveis e sem o principal: o carro para fazer as visitas e buscar a Tati nos finais de semana, para namorarmos. Por sinal, o namoro estava indo de “vento em popa”, eu saia da minha casa às seis da manhã do sábado, para pegá-la em sua residência às oito da manhã, de metrô e ônibus, e voltava às dez da manhã, com ela, para ajudar a fechar os pedidos e dar vazão às impressões e pacotes dos clientes, que eu teria que fazer na segunda-feira.

O bacana de tudo isso era que a empresa dava lucro e recursos para pagar os empréstimos e guardar um capital de giro para o dia a dia, além do investimento seguinte, que foi um carro novo. Essa é a parte legal de todo esse desafio. No entanto, depois de um ano de muito trabalho, eu já não aguentava mais “virar vinte quatro horas”, com a família toda tendo que trabalhar no dia seguinte e a máquina e guilhotina não paravam. Uma hora imprimindo, outra hora cortando.


1998. O fortalecimento da empresa caseira e dos sonhos

 Quando fizemos um ano de empresa, início de 1998, finalzinho de janeiro, eu peguei todas as economias e, mesmo com uma vontade enorme de comprar um carro novo, fechei os olhos e comprei uma outra máquina, pois sabia que poderia fazer doze meses de faturamento, em três de operação e, na sequência, comprar o tão sonhado carro, que prometia para a Tati todos os dias.

Uma parte da nossa história em comum, é que todo sábado à noite, quando eu levava cerca de quatro horas entre idas e vindas até a casa dela, de ônibus e metrô, olhávamos aqueles carros na rua, indo para a balada, restaurantes, lanchonetes, cinemas, mas eu tinha que voltar rápido para a casa e seguir com o trabalho que rolaria até domingo à noite. E ela sempre ao meu lado, em muitos momentos dormindo em pé, mas firme no salto para não me desanimar.

Passados quatro meses que a segunda máquina chegou, eu disse a ela: “Consegui separar uma verba e estou indo comprar um Gol 1982, motor de geladeira, para pelo menos diminuirmos o tempo das nossas idas e vindas até a sua casa”. Ela sorriu pelo telefone e aguardou ansiosa a minha chegada à noite, com o carro novo, que para ela, simples como sempre foi, estava de bom tamanho naquele momento. O que ela não sabia é que eu tinha acabado de encomendar um Ômega “zero km” na concessionária.

Para não dizer que deu tudo certo, quando peguei o carro e estava subindo a Avenida Rebouças, em São Paulo, uma senhora acertou a minha traseira em cheio, no farol de pedestres. Externamente não mexeu com as estruturas, só depois de dias quando levei à concessionária, e acionei o seguro, que vi o estrago que fez.

Voltando à “festa do carro novo”, liguei para ela, do meu celular Motorola Startac, e disse que estava dentro do Gol 1982 com motor de geladeira, indo buscá-la para irmos ao cinema, depois de dezoito meses de muito trabalho. Quando cheguei e da varanda ela viu o carro, deu para perceber o suspiro de alívio e vitória, estampado no seu rostinho angelical. Com aquela satisfação de dever cumprido, principalmente com a sua família, que talvez, em algum momento, não acreditasse quando ela comentava sobre os processos diários que passávamos. Eu sei como deve ter sido duro, mas aquele momento era de festa, muita festa. Como nós não temos o hábito de bebidas alcoólicas, enchemos a cara de suco e Coca-Cola a noite inteira. Foi um momento único e ali eu tive a certeza de que ficaria com ela para sempre!

Passados esses momentos de pura emoção, voltei ao trabalho muito mais fortalecido, e alguns meses depois, mudei a empresa de casa para um sobrado perto dali, onde iniciei um ritmo acelerado de produção e contratação de pessoas, junto com a aquisição de outras máquinas, até o momento de chegarmos a ter vinte e cinco funcionários na empresa e cem por cento da capacidade de produção.

Não tinha para onde crescer mais e a economia, com o Plano Real, estava aceleradíssima. A nossa clientela aumentava a cada dia e a pressão era geral, entre os colaboradores e clientes, por ampliação do parque gráfico. Tive que tomar uma decisão rápida e que selaria o meu futuro.


1999-2000. Crescei e multiplicai-vos

 Foi em julho de 1999 que resolvi mudar e triplicar o tamanho da empresa. Naquele momento eu estava assinando a minha primeira falência real, cheio de dívidas, processos e outras coisas mais que acontecem com quem “quebra a cara”, o que não consegui perceber a tempo.

Alguns meses antes, em maio de 1999, tive contato com um consultor, que me indicou um parque gráfico que estava à venda na cidade de Santo André, divisa com São Paulo. Fui até lá, chequei toda a documentação, fiz vistoria no prédio, nas máquinas e dei a minha oferta para o vendedor. Ela foi aceita e no mês de julho estávamos em um espaço três vezes maior e com capacidade de triplicar a produção.

Um ano depois, a coisa estava rodando a “mil por hora”, muitos clientes, pedidos, faturamento alto e custos maiores ainda, estes que até então eu não tinha experiência para analisar de perto e me precaver para qualquer mudança de cenário. Naquele mesmo ano de 2000, marquei meu casamento com a Tati para o ano seguinte: 6 de outubro de 2001 às 20h, no clube Hasbaya, na Bela Vista, São Paulo, capital. Já estávamos há quase seis anos juntos e praticamente casados, em relação ao que queríamos para o nosso futuro. Fui até o local, fechei negócio, contratei uma especialista para planejar todo o processo, pois não tinha tempo nenhum, muito menos a Tati, que trabalhava em uma empresa de cartões de crédito, praticamente doze horas por dia, na Avenida Paulista. Para nossa alegria, tudo estava correndo bem e conforme o planejado.


2001. As quedas e o aprendizado

 O ano de 2000 passou sem problema nenhum, mas ao entrarmos em 2001 a atmosfera começou a ficar estranha na empresa. Faturamento em queda, clientes assustados com o rumo da economia e outros detalhes a mais, novamente na política, como a possível eleição de um presidente de esquerda populista. Eu fiquei um pouco assustado, preocupado e sem saber o que fazer, porque até ali a minha vida de empresário não tinha sofrido nenhum arranhão maior do que eu poderia suportar, financeira e emocionalmente.

Em maio daquele ano eu resolvi então fazer uma auditoria através de uma empresa terceirizada, pois faturava perto de cinco milhões por ano e tinha uma folha de pagamento de quase sessenta colaboradores, entre terceirizados e contratados. Os custos realmente eram altos, bem como a certeza de dobrar o faturamento no ano seguinte, e ele cobriria todos os investimentos em pessoal, financiamentos de máquinas novas e capital de giro, captados naquele ano.

Foi quando a dois meses do meu casamento, em seis de agosto, o consultor me disse no relatório final que eu estava com um rombo nas contas, perto de três milhões de reais, nos dias de hoje. Eu tinha vinte e nove anos, não havia passado nem de perto por uma notícia tão grande para mim, naquela época, e o que me vinha em mente a todo momento é se conseguiria dar a volta por cima. Naquele mesmo mês, o Datafolha apresentou uma pesquisa de intenção de votos na qual a esquerda levaria a presidência, o governo brasileiro, na época anunciou a pior crise energética que já tivemos e o leste asiático, juntamente com a Argentina, entrava em colapso econômico. E para carimbar de vez a sequência de desgraças daquele ano, derrubaram as duas torres gêmeas.

Junte tudo isso, coloque na mesa e pergunte ao melhor economista do planeta se ele consegue te ajudar a reverter a situação. Conclusão: para me recuperar teria que trabalhar vinte e quatro horas por dia e dobrar o meu faturamento em oito meses. Sempre acreditei que conseguiria, até receber a notícia que as indústrias teriam que poupar energia e reduzir a sua jornada de trabalho. Essa foi a última notícia antes de eu tomar a decisão de encerrar as operações, vender tudo que podia para abater a dívida e conseguir casar-me em paz, dois meses depois, e só então repensar se conseguiria retomar. No mês seguinte, meu faturamento caiu sessenta e cinco por cento, e a dez dias do meu casamento eu não

tinha dinheiro para colocar gasolina no carro, e ir até o local do casório. A parte mais difícil para mim foi contar para a Tati que perderíamos a nossa casa, que estava sendo paga em parcelas, bem como os carros, as máquinas e tudo aquilo que construímos desde 1996.

A festa de casamento aconteceu porque foi paga um ano antes, com uma verba que estava sobrando em uma de nossas contas. Lembro-me até hoje quando a Tati entrou no local da cerimônia e me olhou diretamente da porta. As nossas reações foram instantâneas, começamos a chorar em uma mistura de sentimentos, alternando entre a felicidade de estar casando e a tristeza em já saber como faríamos para administrar tudo aquilo no dia seguinte.

Na segunda-feira, fui até a empresa, consegui levantar os bens e planejar o que faríamos com a venda deles. Nos meses seguintes, pagamos todos os funcionários e seus direitos, alguns fornecedores e zeramos os bancos. No balanço geral vendi tudo, perdemos a casa, os carros, ficamos apenas com um Fiat Fiorino financiado, com uma prestação baixa que conseguiríamos pagar, apesar de uma dívida restante de um milhão de reais.

Além disso, dois dias antes do casamento, contei para uma amiga nossa que iria me casar no sábado e não teria lugar para ir após a cerimônia, pois a financeira tinha tomado a nossa casa. Ela me indicou um lugar na extrema periferia de São Paulo, onde tinha um quarto, cozinha, banheiro e uma lavanderia pequena, em um quintal com mais três casas e a nossa seria a última do quintal. Fiquei feliz em saber que teria aonde chegar após a cerimônia e isso para mim, naquele momento, era suficiente.

Lembro que disse à Tati, assim que o casamento terminou, que isso que estava acontecendo conosco seria a nossa universidade, tanto espiritual quanto profissional: “Sairemos pessoas melhores quando esse furacão passar. E eu prometo a você, construiremos tudo de novo, duas vezes melhor do que construímos até hoje, independentemente do tempo que iremos levar”. Ela olhou para mim e não precisou falar nada, a sua vida estava ligada à minha em todos os sentidos. Fomos para a casa naquela manhã de domingo, deitamo-nos e dormimos até o dia seguinte.

Na segunda-feira, ela foi trabalhar e eu avaliar como faria para pagar o restante da dívida, pois este valor de um milhão de reais restantes estava dividido em pagamentos futuros, em cheques para diversas empresas.

Passarem-se alguns dias e os cheques começaram a voltar por falta de fundos, na porta do cortiço onde morávamos não paravam de chegar pessoas tocando a campainha. Eram oficiais de justiça, empresas de cobrança, agiotas que receberam os cheques de fornecedores e outros mais.

Na época emitimos cheques da empresa e das pessoas físicas, tanto os meus quanto os da Tati, que era a minha sócia na empresa. E alguns dos cobradores batiam na casa dos pais dela para fazerem pressão psicológica. Não foi fácil, pois a sua família, por mais que tenha passado dificuldades para conseguir algo na vida, nunca chegou perto de dever para ninguém. Era um outro problema que eu tive que resolver, que na verdade não foi resolvido, porque ninguém entendia o que aconteceu, e até hoje me olham com um olhar diferente. Lembro-me que meu pai perguntou se a dívida era alta e eu disse que era perto de oitenta mil reais, para deixá-lo tranquilo. Ele virou para mim e disse: “Meu Deus, como você vai fazer para pagar tudo isso, vai levar a vida toda”. Poxa, a vida toda? Pensei. Estava ali uma prova do que nem passava pela cabeça dele: o tamanho do meu negócio e a posição que a empresa estava colocada no mercado em que atuávamos. Realmente estava sendo uma universidade, porque na prática é diferente dos livros, esses de autoajuda que estão a rodo, espalhados nas livrarias.

Com toda a paciência do mundo, eu atendia um a um os que tocavam a campainha de casa. Alguns entravam para tomar café comigo e ouvir um pouco sobre a história. Com o tempo, a coisa foi sendo controlada, pois muitas empresas tinham falido e os cobradores estavam atrás dos que tinham mais dinheiro. E, fala sério, ir até a periferia de São Paulo, tocar a campainha em um cortiço, para cobrar quem já estava morto financeiramente era perda de tempo.

Duas semanas depois de casado e mudado para o “meu cortiço, minha vida”, resolvi pegar a Fiorino e visitar os clientes para contar o que aconteceu comigo e que eu estava ali, caso eles precisassem de alguma ajuda, sei lá, carregar um caminhão, talvez, por uns trocados. Para a minha surpresa, uma boa parte se sensibilizou com o acontecido, se reconheceram por terem passado outras crises, pois eram empresas de anos de mercado e me fizeram algumas propostas: algumas de emprego e outras como consultor gráfico. Tiveram casos de empresas me falarem que não queriam saber se eu não tinha mais a gráfica, mas que queriam continuar comprando de mim e que eu desse um jeito de atender. Foi muito bom viver esses momentos.

Finalizando essas visitas, após algumas semanas, fui atrás de uns três ou quatro amigos do ramo para pedir se eu poderia enviar alguns clientes em troca de comissão, e é claro que todos aceitaram. Mas, mesmo assim, como eu devia muito passei a terceirizar todo o trabalho porque os ganhos eram maiores.

Um belo dia estava em casa e pensei: poxa, vender impressos para essas empresas a um preço mais caro, só porque eles gostam do meu atendimento? Preciso oferecer algo a mais para compensar essa perda. Naquele momento, a minha ideia era pagar as dívidas e voltar a produzir como indústria, então não poderia perder esses contatos para a concorrência. Lembrei de um amigo que era publicitário e criava peças para empresas pequenas. Eu lhe disse: “Vou vender os impressos para as empresas e oferecer gratuitamente a criação de peças extras por minha conta. Você faz, eu te pago por fora e todos ganham”. Ele aceitou e comecei a oferecer na semana seguinte.

Como a dívida era grande para os meus padrões de morador de cortiço, eu precisava driblar algumas etapas e emplacar em coisas maiores, em que o meu poder de informação tivesse valor. Eu comecei a comprar livros de autoajuda, marketing, administração, publicidade, network e de pessoas bem-sucedidas, que passaram as mesmas dificuldades que as minhas. Lia cerca de três a quatro livros por mês, no primeiro ano. Além disso, passando o final do ano, a minha capacidade de ganho estava colocando em ordem alguns parcelamentos que fiz com os fornecedores mais próximos, mesmo assim não era suficiente.








2002. De batalhador das vendas a consultor de marketing bem-sucedido no mercado.

 Me lembro como se fosse hoje: janeiro de 2002. Fui visitar um desses clientes gigantes que me abraçou e, como ele era o diretor da empresa, me perguntou como eu estava fazendo para pagar as dívidas e retornar ao mercado. Eu lhe disse que estava estudando como um louco e aplicando algumas coisas, que aprendi com os livros, em minhas rodadas de negócio, as quais fazia durante a semana.

Ele, diretamente me disse: “Tenho um parente que possui uma pequena fábrica, ele está devendo perto de seiscentos mil reais, você não poderia dar uma passada por lá e conversar com ele um pouco sobre as suas técnicas?”. Claro que sim, acenei a cabeça, com um sorriso no rosto. Como era um cliente que eu admirava não podia negar, mesmo porque pensei comigo, será apenas um bate-papo e um abraço no final.

Chegando lá na empresa, ele me mostrou a sua estrutura, os funcionários, o que ele produzia e nos sentamos em uma pequena sala, no fundo do galpão da fábrica. Ali ele me apresentou seu problema, suas dívidas e me perguntou se eu conseguiria resolver para ele, porque seu primo lhe disse que enviaria um consultor de marketing para dar uma ajuda. Eu fiquei travado na frente dele quando ouvi que seria o consultor de marketing.

Eu não sei a “piniqueira” que me deu, quando resolvi chamar para mim o problema dele. Não me pergunte o porquê, mas já tinha me colocado à disposição. Disse a ele que não conseguiria administrar a parte financeira, mas nas vendas poderia ajudar diretamente, criando estratégias para faturar mais e diminuir a dívida. Na verdade, fiz isso toda a minha vida até aquele momento, só não tinha percebido que fazia parte do “marketing”.

De fato, fui direto ao assunto e disse: “Preciso que você me apresente a sua empresa como se eu fosse comprá-la. Me conte tudo, como é a fábrica, como compra, como vende, todos os processos nos mínimos detalhes”. Ele não perdeu tempo e, já com a agenda na mão, marcou uma nova reunião para a segunda-feira seguinte.

A pergunta mais importante não foi feita: quanto vou receber por este trabalho? Chegando em casa, me debrucei nos livros e na internet para estudar o seu ramo de atividade. Vasculhei tudo o que consegui encontrar e montei uma apresentação para que, naquele dia da reunião,

ele me apontasse onde estavam os erros e os acertos do seu mercado em específico.

No caminho até a empresa fui pensando em como dar valor naquele trabalho, pois o mercado de marketing cobrava de diversas formas e sempre antecipado, ou a cada entrega de etapa. Naquele momento resolvi inovar, mesmo porque nunca passei nem na porta de uma escola de marketing. Pensei comigo, vou cobrar dez por cento do valor da dívida, e ele só me pagaria assim que a zerássemos e conseguíssemos caixa para fazer este pagamento.

Chegando lá, passei todo o planejamento e, no final, a proposta de pagamento. Ele, surpreso e com aquela carinha rosa e redonda de espanto, me disse: “Poxa vida, você acredita mais do que eu na minha empresa”, e começou a chorar. Comigo é assim, se o cliente chora também choro, e muito, pois estou chorando pelas dívidas dele e pelas minhas.

Iniciamos o trabalho no dia seguinte e a coisa foi fluindo até que o problema foi resolvido e a minha consultoria finalizada. Recebi posteriormente a minha parte e fui no mesmo dia a um credor com o cheque da empresa, ainda nominal a mim, passar para ele e pegar meu recibo de quitação. Chegando lá, o credor me olhou e disse: “Não acredito que você está pagando, eu deixei a sua dívida na caixa de ‘Nunca mais vou receber’”. Eu disse: “Pois bem, se equivocou em me subestimar”. Ele tirou o valor total da pasta, que já estava cheia de pó, não corrigiu os juros e ainda me deu cinquenta por cento de desconto pela idoneidade. Muito legal, hoje em dia, faço o mesmo em meus negócios.

Depois de alguns dias, aquele cliente me indicou para outro com uma dívida maior, pois para mim, naquele momento, quanto maior a dívida melhor o ganho. E daquele cliente fui indicado a outro e assim foi acontecendo, até eu chegar na primeira multinacional e sentar cara a cara com o diretor de marketing, para resolver um problema básico: os funcionários estavam atravessando fora da faixa de pedestre e sendo atropelados. Me perguntou se eu tinha alguma solução. Lá fui eu buscar naqueles livros de endomarketing, que ficavam empilhados na pequena sala do cortiço, para ver se tirava alguma ideia de como passar a informação. Fiz o trabalho, deu resultado e algum tempo depois ele me mandou outro, em que os funcionários estavam comendo e fumando nas áreas entre as escadas dos prédios. Esse foi difícil, mas resolvemos oitenta e cinco por cento do problema. O legal desses trabalhos é que o problema é tão grande que o valor da consultoria vem na mesma escala.

2005. O ano da redenção e da fundação da minha agência de marketing

 Com o tempo, fui pegando um trabalho aqui, outro ali, o meu mês passou a ser tomado por consultorias em diversas áreas e segmentos, forçando-me a abrir a minha primeira empresa de marketing, em 2005, a “Cappuccino Marketing e Marca”. Quando resolvi entrar de cabeça nesta área, só queria me cercar de pessoas competentes e que fossem formadas no setor. O restante era fácil e eu já estava me acostumando.

Em decorrência disso, pedi para a Tati se demitir da empresa que ela trabalhava e assim me ajudar nesta nova empreitada. A minha intenção era formá-la como profissional de gestão de pessoas, empresas e redes, que é hoje em dia. Conheço algumas boas gestoras de redes, mas com a competência dela estou para ver. Ela aceitou o desafio e criamos juntos uma agência com foco em marketing e marca. Por que marca? Pelo simples fato de acreditarmos que uma marca bem desenhada e posicionada é a melhor parceira de resultados daquela empresa.

Outro fator digno de menção é o fato de que, desde o ano passado (2004), a dívida estava praticamente quitada, faltavam poucas empresas e a maioria já estava com acordos parcelados. No entanto, um episódio marcante em minha vida se apresentou: em visita a um gigante do ramo de móveis e decoração, conheci os proprietários e ambos me perguntaram o que eu achava da marca da empresa e seu posicionamento. Com toda a técnica dos livros dei meu ponto de vista e ambos me perguntaram se eu conseguiria revitalizar e colocar ali, naquelas palavras toda a cultura da empresa. Aceitei o desafio e fui em frente. Juntei meu pessoal e, semanas após o desafio, marquei a apresentação da nova marca da empresa.

Era uma sexta-feira à noite, dia quente, em um dos escritórios do bairro nobre dos Jardins em São Paulo. Fiz a apresentação, a marca foi aprovada, mas o melhor da festa estava por vir: o pagamento pelo trabalho, pois não tínhamos combinado nenhum valor. Quando me levantei da mesa, o proprietário da empresa se levantou junto comigo e me disse: “Estou com o cheque pronto, sei que não tem valor pelo retorno que ela vai me dar daqui para a frente, mas tenho certeza que vai te ajudar a dar um grande passo financeiramente em sua carreira, nesta nova empresa”. Colocou o cheque no bolso da minha camisa e saiu da sala. Discretamente me despedi e fui para o carro. Não tive coragem de ver o valor ali na porta da empresa, andei alguns metros e a surpresa

foi enorme, um valor tão alto que consegui quitar a minha dívida e ainda montar um lindo escritório no bairro da Mooca, para aumentarmos a capacidade de atendimento da agência.

Naquele dia um sinal foi dado: revitalizar marcas ou criar no perfil de cada empresa iniciante seria o caminho. Reestruturei a empresa, ampliamos nossa dedicação a fazer marcas e a coisa começou a esquentar novamente. Sem dívidas, já morando em uma casa bacana, em um bairro próximo a Mooca, iniciamos o nosso caminho com foco em chegar onde estamos hoje.

Ainda em 2005 escrevi meu primeiro livro, “Como alavancar as vendas em tempos difíceis”, lógico que com a experiência de um menino de trinta e três anos. Distribuímos perto de quinze mil cópias, entre vendidas, doadas a bibliotecas populares e passadas aos amigos, clientes e parentes.




2006. Crescei e multiplicai-vos parte II, agora é pra valer

 Na passagem do ano tudo indicava que 2006 seria um excelente ano e a retomada como ex-empresário falido era fato. Em janeiro de 2006, recebemos um contato, na agência, de um profissional muito conceituado na área odontológica, dizendo que leu o meu livro e estava interessado em comprar nossos produtos.

Marcamos uma reunião na empresa, apresentamos nosso trabalho e fechamos negócio logo em seguida. Estava nascendo ali a maior rede de consultórios odontológicos que já se viu no Brasil. Nossa primeira experiência como rede, relacionamento com licenciados e muito trabalho a seguir.

Em um primeiro momento, o dentista, meu amigo até hoje, queria apenas uma revitalização da clínica e que mostrássemos um caminho para que ele conseguisse, através de estratégias de marketing, aumentar sua clientela, treinar seu pré-atendimento por meio das secretárias e um novo visual de marca e modelo de negócio.

Pois bem, sentamo-nos e conversamos por horas a respeito do seu setor, que até aquele momento era desconhecido para mim e para meu pessoal da agência. Ele nos disse que era um setor carente de profissionais de marketing especialistas na área e que o profissional dentista não aprende, em seus estudos iniciais, como fazer para administrar, planejar e divulgar sua carreira, clínica ou consultório, de uma forma saudável, conforme vemos na área do marketing.

Em um primeiro estágio, buscamos o seu perfil, o da sua clientela atual e a desejada, bem como o modelo de negócio que atuava e o que fazia para divulgar sua clínica e gerar novos clientes/pacientes. Com toda a informação na mão, e após alguns dias, apresentamos-lhe a marca e o modelo de gestão atualizado de uma clínica odontológica.

O processo foi aprovado no mesmo momento, e então demos continuidade aos trabalhos, introduzindo o processo na prática, em sua clínica. Implantamos a marca, reorganizamos os processos, treinamos as pessoas, demos uma cor a mais no conceito e inauguramos, seis meses depois de todos os estudos e detalhamento do projeto. Modéstia à parte, foi um sucesso, embora tenha começado a causar um pequeno problema: a falta de horário de atendimento para os novos pacientes e o retorno inesperado dos já atuais e esquecidos pacientes.

Com o tempo, conseguimos reorganizar inserindo mais profissionais na clínica e ajustando os horários, de acordo com a capacidade de atendimento geral. Dias após a inauguração, fomos procurados por alguns outros dentistas, que tinham tomado ciência do nosso trabalho e que gostariam de contratar a agência para executarmos o mesmo processo.

Duas semanas após as procuras desses dentistas pelo trabalho, recebemos mais um grupo pedindo também para que fizéssemos o mesmo processo. Quando percebi que a procura estava aumentando consideravelmente, me veio uma ideia comum para quem já está acostumado a criar redes, mas para mim era insólita, pois até então eu não sabia por onde começar uma.

A ideia surgiu quando resolvi bater um papo com o dentista que nos contratou e informar que estávamos evoluindo na procura; assim, pensei em juntar o útil ao agradável, unindo todos esses profissionais embaixo de uma marca só, a UNICODONTO! A primeira pergunta que me fizeram foi: “Mas como faremos para organizar pessoas diferentes, com ideias diferentes, em lugares diferentes e convencê-las a se juntarem em uma marca que não será delas?” Eu acreditei que naquele momento não deveria temer a nada, pois para quem já passou por tantos problemas e teve que buscar muitas soluções, aquele seria apenas mais um passo no meu caminho.

Juntei os dentistas em nossa agência, ainda no bairro da Mooca, e apresentei o projeto, que tinha colocado em prática para aquele primeiro dentista. Mostrei o modelo de gestão financeira, de pessoal, treinamento, operação e o que chamei de “licenciamento de marca”, naquele momento. Assim, todos estariam usando a marca, com o intuito de utilizá-la para ganharmos vantagem em grupo, em toda a cadeia fornecedora para o setor. Mostrei também o planejamento de marketing compartilhado, no qual teríamos mídias regionais pagas por um único caixa, em que cobraríamos uma espécie de royalties, e nós da agência ficaríamos com trinta por cento da arrecadação bruta, o dentista proprietário da marca Unicodonto com 10% pelo licenciamento, e o restante seria reinvestido em marketing e publicidade.

Apresentei um projeto de ganhos em escala, em que em algum momento, conforme a rede fosse crescendo, compraríamos a nossa própria

distribuidora interna, e talvez até uma sociedade direta compartilhada através de uma associação, incluindo alguns pedaços do setor de insumos. O projeto foi aceito, naquele momento, por cerca de doze dentistas, cem por cento dos que estavam a fim de entrar no projeto, afinal, “uma rede se faz com muitas cabeças organizadas”.

Na semana seguinte, preparamos toda a documentação legal, projetos de como funcionaria o processo a cada passo do crescimento, em número de unidades. Criamos um pequeno conselho para discutir assuntos internos, uma pequena equipe, dentro da agência, especializada no setor e suas vertentes, como os distribuidores, por exemplo.

No dia 15 de julho de 2006, inauguramos dez unidades espalhadas pela capital de São Paulo e começamos a colocar em prática toda a teoria desenhada para a rede, mais a experiência adquirida na clínica do primeiro dentista. Três meses depois estávamos com quase vinte licenciados, e foi naquele momento que começou um problema de “superego”, muito comum no setor na saúde, principalmente na odontologia.

Consegui administrar em etapas por mais três meses, até o momento em que o dentista, aquele que iniciou conosco, pediu para sair, pois não estava conseguindo conciliar o seu trabalho com o de administração da rede. Sendo que noventa e cinco por cento de todo o trabalho era concentrado dentro da agência. Naquele momento, passou um filme em minha cabeça, com uma única certeza: mais um projeto para o meu quadro de falências.

Era uma quarta-feira, do mês de outubro, na qual tomamos a decisão sobre a saída desse dentista do negócio, passando cem por cento da empresa para mim e para a Tati, que estava em seu início de carreira como empresária. Sem comentar sobre o volume gigante de dinheiro que tivemos que pagar pela compra da parte dele. Pois naquele momento não tive escolha: ou comprava, ou a empresa se encerraria.